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Dor (2018) 26
crónica pediátrica, entre junho 2016 e julho 2017. Foram colhidos os seguintes dados: ida- de; sexo; antecedentes pessoais; tempo de evo- lução das queixas álgicas; avaliação da dor com descrição das suas caraterísticas e aplicação de escalas quantificadoras (escala visual analógica a partir dos seis anos, quando cognitivamente possível).
Foram ainda colhidos dados referentes ao exame objetivo, exames auxiliares realizados, contexto social e familiar, integração e aprovei- tamento escolar, especialidades médicas envol- vidas em cada caso, tratamento instituído (far- macológico, psicológico, fisiátrico) e evolução das queixas ao longo do mesmo.
Foram analisados os resultados obtidos, com comparação entre o momento inicial e final de variáveis objetivas, nomeadamente escala de dor, tipo de intervenção e ainda evolução de parâmetros subjetivos, com ênfase na integra- ção e participação.
Resultados
Foram observadas 26 crianças (9 do sexo masculino e 17 do sexo feminino) com uma mé- dia de idades de 13,6 anos e tempo médio de evolução clinica de queixas de dor até à primei- ra consulta de 19,66 meses, já com história de avaliação em múltiplas especialidades.
Em relação ao diagnóstico (Tabela 1), os qua- dros de dor musculoesquelética foram os mais frequentes (14), com queixas predominantes a nível cervical e lombar. Os quadros de dor ge- neralizada, sem causa orgânica identificada, constituíram também um motivo de referencia- ção importante. Foram identificados descritores de dor neuropática em seis doentes, e dor vis- ceral em dois, sendo de referir casos de sobre- posição de queixas numa mesma criança. Iden- tificámos ainda um caso de síndrome dolorosa regional complexa, e duas com síndrome de hipermobilidade (Ehlers-Danlos).
Quanto ao impacto da dor na funcionalidade, para além da diminuição ou suspensão da prá- tica desportiva que foi praticamente transversal a todos os casos, em quatro constatou-se perda de capacidade de marcha autónoma, três deles com utilização de canadianas e um com neces- sidade de utilização de cadeira de rodas.
Em duas crianças ocorreu limitação funcional por dificuldade na mobilização e utilização do membro superior, nomeadamente em algumas atividades de vida diária como vestir.
Em metade dos casos foi necessária interven- ção psicológica, com entrevistas individuais e familiares, e ensino de técnicas de relaxamento. Em quatro crianças houve necessidade de inter- venção junto da escola, nomeadamente com apoio psicológico e de assistente social.
Convém realçar a associação com contex- to familiar disfuncional em 53,8% dos casos, 32 problemas de integração escolar, nomeadamen-
te bullying em 34,6%, e realização exaustiva prévia de exames complementares em 57,8%, o que vai de encontro à já referida necessidade de uma abordagem multidisciplinar.
Em 17 dos casos houve indicação para tera- pia farmacológica. A sertralina e a pregabalina foram os fármacos mais utilizados (cinco crian- ças), seguidos por diazepam e baclofeno em três, infiltração com toxina botulínica também em três e ritalina num dos casos. Foi possível um desmame progressivo e abandono da terapia farmacológica em cinco crianças aquando da alta, sendo de referir que em mais de metade das crianças havia relato de utilização prévia de mais do que uma classe de fármacos analgési- cos, com constatação de abuso de dosagem em dois dos casos.
Em 57,7% (15 doentes) destes houve orienta- ção para um programa de reabilitação fisiátrico, quando possível, realizado no nosso centro hos- pitalar (três casos) ou, na impossibilidade, na área de residência da criança.
Após uma média de três meses de acompa- nhamento, cerca de 3/4 dos nossos doentes re- portaram uma melhoria subjetiva da dor, com impacto em alguns aspetos da sua vida diária como uma maior participação em atividades so- ciais e desportivas, refletindo uma melhoria fun- cional, bem com melhoria do rendimento e apro- veitamento escolar.
Discussão
A implementação de um modelo de consulta multidisciplinar resultou de uma união de esfor- ços por parte dos profissionais das diferentes especialidades, no sentido de tentar uniformizar a avaliação e orientação destes doentes de um modo mais célere e numa abordagem mais con- certada que permita a melhoria dos cuidados prestados. Este modelo foi baseado nos dados mais atuais presentes na literatura com neces- sárias adaptações quer ao contexto social e cultural em que nos encontramos quer às limi- tações estruturais e orçamentais de que dispo- mos. Neste ponto há um fator que frequente-
 Tabela 1. Quadros de dor observados
 Dor Número de doentes
 Musculoesquelética
– Lombalgia/raquialgia 14 – Dor generalizada 9 – Síndrome de hipermobilidade 2 – Síndrome de dor regional complexa 1 Dor neuropática 6 Dor visceral 2
DOR













































































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