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M. Lopes, et al.: Dor Neuropática Pós-Cirúrgica – Resposta a Capsaícina 8%   Figura 1. Imagem radiográfica pós-operatória da intervenção que marcou início do quadro de dor neuropática.    Figura 2. Incisão cirúrgica (linha tracejada) e área de alodinia.  Na União Europeia, a capsaícina 8% em sis- tema transdérmico (Qutenza®) encontra-se apro- vada para o tratamento de múltiplas condições de dor neuropática periférica isoladamente ou em conjugação com outros fármacos, tendo as suas indicações sido alargadas progressiva- mente, após uma fase inicial em que se reco- mendava para as três patologias enumeradas acima5. No entanto, para utilização no tratamen- to da dor neuropática pós-cirúrgica, a evidência da sua eficácia é ainda escassa. Caso clínico Doente do sexo feminino, de 61 anos, com antecedentes pessoais de mieloma múltiplo e osteoporose, submetida a corporectomia de T10 e a artrodese de T9-T10 devido a fratura verte- bral de T10 sob anestesia geral balanceada (Fig. 1). No pós-operatório, a doente desenvol- veu um quadro de dor neuropática grave a nível do flanco e hipocôndrio direitos, com parestesia – dor essa classificada como 7 em 10 na esca- la numérica. Procedeu-se à caraterização da dor neuropática que a doente apresentava, pesqui- sando-se descritivos positivos e negativos da dor. Fazia-se sentir numa área de aproximada- mente 60,5 cm2, associando-se a alodinia, rela- cionada, por exemplo, com o contacto do ves- tuário (Fig. 2). Para além disso apresentava hiperestesia, quer para estímulos térmicos quer álgicos. Associava-se ao caso clínico diminuição marcada da capacidade funcional. Pela dor as- sociada à condição neoplásica de base que a doente apresentava, encontrava-se medicada com tramadol e pregabalina. O tratamento far- macológico foi sendo escalado ao longo do tem- po, recorrendo-se a pregabalina, fentanil trans- dérmico e duloxetina, otimizando-se as dosagens ao longo do tempo. Durante cerca de quatro anos a dor foi abordada com os fármacos refe- ridos anteriormente. Dada a limitação da respos- ta terapêutica ao esquema implemantado, foi instituído tratamento adicional com capsaícina 8%, administrada por sistema transdérmico. Foram realizados quatro ciclos terapêuticos com capsaícina 8%, intervalados por cerca de 90 dias, avaliando-se seriadamente a área de dor, bem como o grau de dor, alodinia e hipe- restesia, recorrendo à escala numérica (0 a 10). Ao longo dos ciclos, registou-se uma diminuição marcada da dor neuropática, alodinia e área afetada, de 29, 71 e 30%, respetivamente (Ta- bela 1). Adicionalmente, registou-se uma melho- ria acentuada da capacidade funcional e em particular, da qualidade de sono, parâmetros avaliados pela Escala de Qualidade de Vida – Nottingham Health Profile. Discussão A aplicação de sistema de administração transdérmica de capsaícina 8% poderá consti- tuir uma opção adicional válida para a aborda- gem da dor neuropática pós-cirúrgica, para além do papel já extensamente estudado no tratamento da nevralgia pós-herpética, neuropa- tia diabética e neuropatia associada ao VIH. A capsaícina 8% apresenta múltiplas poten- ciais vantagens em relação a outras abordagens farmacológicas, nomeadamente o seu rápido início de ação, com alívio dos sintomas num período frequentemente inferior a outros fárma- cos. Para além disso, apresenta poucos efeitos adversos dada a sua limitada absorção sistémi- ca. É geralmente muito bem tolerado pelos 5 DOR 


































































































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