Page 6 Analgesia em Obstetrícia
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Prefácio
Poucas situações álgicas sofreram, ao longo dos tempos, a evolução
conceptual que tem tido a dor de parto, com a natureza divina do aconteci-
mento a influenciar sempre a sua caracterização, sem prejuízo do exemplo de
civilização que queiramos considerar.
É esta evolução que tem vindo a permitir a alteração a que se tem assistido
à firme posição dos que, desde há muito, têm defendido a ideia do parto
“natural” como sinónimo de parto “normal”, como que ignorando o facto do
parto poder determinar a mais intensa e insuportável dor sentida pela mulher
em algum momento da sua vida.
A dor de parto tem sido descrita como um modelo de dor aguda e, como
tal, com origem anatómica conhecida, transmissão neurológica e resposta
fisiológica proporcional.
Desde que o nascimento passou a ser um processo de acompanhamento
hospitalar, a dor obstétrica, tal como a dor do pós-operatório, passou também
a ser organizável, permitindo que os anestesistas estruturassem os seus
serviços de forma a poderem responder às necessidades analgésicas da
maioria das parturientes.
Esta forma de encarar a intervenção analgésica no parto, para além de
adequada à realidade do século XXI, faz todo o sentido quando se sabe que a
grande maioria das nulíparas e uma importante percentagem das multíparas
referem como muito intensa ou intolerável a dor que sentem durante o parto
e que essa dor vai agravando à medida que o trabalho de parto progride, do
mesmo modo que o emprego das técnicas de preparação e de treino para um
parto sem dor, embora eficazes, ficam aquém das legítimas expectativas das
grávidas.
Naturalmente que esta dimensão interventiva do apoio analgésico durante
o nascimento, particularmente eficaz desde que os anestesistas dominam as
técnicas de abordagem locorregional, será também passível de ser criticada
se, em oposição à ideia conservadora do parto “normal”, se vier a cair numa
obsessão extrema de o transformar num fenómeno patológico, esquecendo a
sua natureza fisiológica e a indispensável vertente humana que ele encerra.
Torna-se indispensável que exista a preocupação constante de uma atitude
contida, proporcional à sua necessidade e, acima de tudo, cúmplice com o
próprio acto do nascimento.
Deixo assim enquadrado o interesse e a actualidade deste tema, que José
António Bismark e os colaboradores que ele próprio escolheu tratam com o
rigor que merece e a experiência que se lhes reconhece, num estilo e numa
linguagem acessíveis a qualquer profissional de saúde, mesmo que de uma
área eventualmente distante.
José Manuel Caseiro
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