Page 20 - 2018_03
P. 20

Introdução A dor é uma experiência subjetiva e multidi- mensional, como se pode depreender da defini- ção da International Association for the Study of Pain (IASP): «experiência sensorial e emocional desagradável associada a uma lesão tecidular real ou potencial, ou descrita em termos de tal lesão»3. A dor aguda é importante porque tem uma função de alerta, no entanto, a dor crónica não tem qualquer vantagem biológica, tendo até elevado impacto na diminuição de função e qua- lidade de vida do doente. A dor crónica (DC) é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma «dor persistente ou recorrente que dura mais de três meses»4. A DC é um problema de saúde com elevado impacto negativo. Em 2017, segundo o Global Burden of Disease, entre as três principais cau- sas que contribuem para o número de anos vi- vidos com incapacidade estavam dois tipos de dor – lombalgia e a cefaleia – seguido de distúr- bios depressivos5. A lombalgia está também no primeiro lugar das causas de Disability-Adjusted Life Year (DALY) em ambos os sexos6. Em Por- tugal, no ano de 2007, a principal causa de in- capacidade já era a lombalgia, tendo em 10 anos aumentado 4,1%. Combinando as principais causas de morte e incapacidade – DALY –, a dor lombar é a segunda em Portugal, apenas prece- dida do acidente vascular cerebral (AVC)7. A dor em pediatria tem sido foco de atenção crescente, porque se confirmou que os recém- -nascidos sentem dor, guardando memória des- ta. Fenómenos de sensitização anómala, resul- tantes de neuroplasticidade mal-adaptativa, podem levar a consequências imediatas e a longo prazo se a dor não for devidamente pre- venida e tratada8. De facto, já se demonstrou que as vias nervosas ascendentes que condu- zem às sensações dolorosas estão funcionais a partir das 28 semanas de gestação. Ao invés, as vias descendentes inibidoras sobre o estímu- lo doloroso não estão ainda desenvolvidas. Por conseguinte, experiências precoces e repetidas de dor, especialmente nos recém-nascidos mais imaturos, podem influenciar experiências doloro- sas futuras quanto à sensibilidade e à forma de lidar com a dor9. Outro aspeto que leva ao aumento da impor- tância da DC pediátrica é o facto de a sobrevi- vência a patologias potencialmente mortais ter vindo a aumentar. O aumento da prevalência da doença crónica complexa em crianças, expon- do-as precocemente e repetidamente a medidas de suporte invasivas e dolorosas, terá como con- sequência o aumento da prevalência da DC10. Na população pediátrica, os principais tipos de DC são a musculosquelética (42,3%), de múl- tiplas localizações (35,6%), abdominal (14,1%) e a cefaleia (8,1%)11. O controlo da dor é um dever dos profissionais de saúde e um direito dos doentes, por isso, a Direção Geral de Saúde (DGS) tem emanado orientações que facilitam a sua abordagem. Está regulamentado que a dor deve ser avaliada con- tínua e regularmente como se fosse um sinal vital9,12, usando escalas de avaliação adaptadas a cada idade10. A dor deve ser avaliada quanto às suas cara- terísticas, fatores de alívio e agravamento, inca- pacidade resultante e impacto, privilegiando a autoavaliação a partir dos três anos e utilizando métodos adequados ao estádio de desenvolvi- mento e capacidade de compreensão9. Median- te esta avaliação, proceder-se-á ao tratamento, utilizando medidas farmacológicas e não farma- cológicas. O tratamento da DC, como na grande maioria das patologias, está mais bem estabelecido para a população adulta, no entanto, dada a elevada prevalência também na população pe- diátrica, é necessário procurar soluções no que diz respeito à sua prevenção e tratamento, pois nesta faixa etária há maior repercussão nos re- sultados a longo prazo, com grande risco de a dor persistir durante a vida adulta13. Ainda durante a infância e adolescência, a dor crónica tem várias consequências negativas com impacto na vida social, escolar, atividades físicas, saúde mental e até na perceção da sua própria vida. A nível escolar aumenta o absen- tismo escolar e diminuiu o rendimento11. A nível social provoca diminuição de hobbies e dificul- dades em fazer amizades14. A nível psicológico as consequências da DC revelam-se como sen- timentos de frustração, ansiedade, preocupação e depressão15, e aumento da taxa de ideação e tentativa suicida em adolescentes14. Distúrbios do sono também estão comummente associa- dos a DC, estabelecendo-se entre os dois uma relação de mútua causalidade16. Para além dis- so, condições como baixo rendimento académi- co e distúrbios de humor também estão associa- dos a distúrbios do sono16. Deste modo, parece estabelecer-se um círculo vicioso entre DC, dis- túrbios do sono e as respetivas consequências. A DC pediátrica gera também um elevado im- pacto económico decorrente de hospitalizações, idas ao serviço de urgência, consultas em am- bulatório, medicação, exames complementares de diagnóstico, transporte, alimentação especí- fica e suplementos, contratação da assistência de terceiros, perda de produtividade/dias de trabalho dos pais. De todos estes, são os servi- ços médicos que ocupam a maior fatia do orça- mento11. Tendo em conta a elevada prevalência da DC pediátrica, todos estes aspetos se tornam ainda mais relevantes. De facto, em Portugal, na po- pulação com 15 anos ou mais, a doença crónica mais referida é a DC, tendo a lombalgia e a cervicalgia sido referidas por 32,9 e 24,1% da população, respetivamente17. Segundo estudos internacionais, a prevalência da DC pediátrica varia muito segundo a localização. De acordo 19 N. Geraldes, S. Abreu: Epidemiologia da Dor Crónica Pediátrica em Portugal – Revisão Sistemática Da Literatura DOR 


































































































   18   19   20   21   22