Page 25 Cefaleias um desafio
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deste modo, à coexistência das duas situações clínicas. Na prática isto não se
verifica, nomeadamente as depressões endógenas não se manifestam mais
frequentemente por cefaleias, sendo mais predominante as cefaleias nas de-
pressões com componente reactivo. Portanto, penso que o aspecto biológico
disfuncional subjacente, nomeadamente serotoninérgico, é comum, mas o de-
sencadear destas disfunções tem muito provavelmente outros mecanismos bio-
lógicos que as diferenciam e que os componentes psicológicos cognitivos e
afectivos nas situações reactivas terão concomitantemente outros substratos
biológicos e outras vias. Logo, a presença de comorbilidade psiquiátrica e cefa-
leias não significa necessariamente os mesmos mecanismos fisiopatológicos.
No entanto, não há dúvida sobre o importante papel do sistema serotoninér-
gico na dor de cabeça e o seu destaque a nível periférico nos vasos sanguíneos,
mas também a nível central nas vias de modulação da dor e no córtex cerebral.
O sistema ascendente de dor pode estar desregulado, facilitando a dor e o
aumento da intensidade e frequência das crises.
Os neurotransmissores e receptores serotoninérgicos estão implicados,
dependendo do tipo e local, em vários aspectos como o sono, a depressão, a
ansiedade, as emoções, o stress para além da dor. Assim, esta interacção pode
explicar a relação nas cefaleias primárias com vários factores desencadeantes
ou agravantes das crises.
Todo o impulso de dor ascendente vindo da periferia interage com um
sistema modulador de dor descendente que pode atenuar ou aumentar a per-
cepção da dor. Em geral é constituído pela substância cinzenta periaquedutal
(PAG), núcleo da rafe na medula (serotoninérgico), que faz sinapse com o
feixe espinal do nervo trigémeo e no corno dorsal do primeiro, segundo e
terceiro feixes cervicais da espinal-medula. Existem fibras descendentes do
núcleo coeruleus (noradrenérgico) que vão terminar também no núcleo espinal
do trigémeo e corno dorsal que recebe os nervos espinhais.
Está demonstrado o envolvimento da substância cinzenta periaquedutal
nas crises de enxaqueca.
Na dor sabe-se que a estimulação não dolorosa periférica usando métodos
com a estimulação transeléctrica cutânea (TENS) tem efeito analgésico. Tam-
bém experiências com neuroestimulação subcutânea bilateral dos grandes
nervos occipitais de pacientes com enxaqueca crónica conduziu a 75-100% de
redução de dor dentro de trinta minutos e a dor regressava após a interrup-
ção da estimulação. Várias hipóteses são pensadas para a existência deste
efeito neuromodulador. Uma delas mais recente é a redução da acção do
ácido γ-aminobutírico a nível da substância cinzenta periaquedutal que active
o sistema antinociceptivo descendente e reduza a dor.
Várias substâncias neurotransmissoras (noradrenalina, serotonina), opiói-
des endógenos (β-endorfinas, encefalinas, dinorfinas), podem inibir a transmis-
são de dor das regiões da cabeça e pescoço e estão implicadas na modulação
central da dor.
As substâncias opióides são activadas a partir de um estímulo nociceptivo
produzindo analgesia endógena a partir da sua acção espinal, mas também,
possivelmente, a nível central subcortical e cortical. As áreas subcorticais e
corticais têm importância muito relevante na percepção da dor, pois é através
destas que um estímulo não doloroso pode ser percebido como dor ou que
comportamentos de distracção diminuem a dor ou ate mesmo sentir a dor
antecipadamente e sem qualquer estímulo nociceptivo. Existe uma ligação e
resposta imediata a um estímulo nociceptivo periférico aferente dependente
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