Page 24 Cefaleias um desafio
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Face aos sintomas premonitórios e associados na cefaleia de tipo enxaqueca
poder-se-á pensar na necessidade de conhecer melhor as implicações da conver-
gência periférica e a possibilidade dessa «convergência» não ser apenas perifé-
rica mas também central, e que conexões a nível central (hipotálamo, córtex)
existem. Estudos sugerem que também a ocorrência de sensibilização central
no núcleo espinal do trigémeo, demonstrada por alodinia, interfere na resposta
terapêutica dos triptanos, isto é, são mais eficazes se forem administrados antes
de o paciente sentir alodinia. A acção periférica dos triptanos só impede a alo-
dinia antes desta aparecer ficando demonstrado que não tem acção central. Isto
é importante em termos terapêuticos na informação do paciente que tenha
alodinia, para a necessidade da toma do triptano antes de o paciente a sentir.
Há vários estudos referindo o papel patofisiológico do sistema dopaminérgi-
co na enxaqueca, sobretudo ligado aos sintomas premonitórios, como irritabili-
dade, mau humor, sonolência, agitação, vertigens, náuseas, bocejar, antes do
doente sentir a dor. Identificar um sintoma prodrómico da enxaqueca é muito
importante no tratamento, já que nos pode orientar para a intervenção terapêu-
tica mais precoce, o que acontece com o uso de domperidona ou metoclopro-
pamida (antagonistas da dopamina) e que podem ser eficazes se administrados
o mais cedo possível e associados a outro fármaco de tratamento agudo.
O sistema serotoninérgico que parte do núcleo da rafe é um importante
sistema que se relaciona com a dor de cabeça e a dor em geral que depois se
distribui através do hipotálamo, tálamo e córtex. Existem múltiplos receptores
de serotonina cuja acção e efeito pode ser inibida ou facilitada.
A serotonina circulante na corrente sanguínea existe principalmente nas
plaquetas. Diminuição do conteúdo em serotonina nas plaquetas é encontrada
nas crises de enxaqueca e nas cefaleias de tipo tensão crónica.
Na enxaqueca, este é um sistema importante porque os vasos sanguíneos
têm receptores serotoninérgicos que estão implicados na regulação do fluxo
sanguíneo da circulação cerebral e extracraniana, e constituem hoje em dia
um dos modos de intervenção terapêutica na crise. Também um dos modos de
tratamento preventivo é através deste sistema com o recurso aos fármacos
serotoninérgicos, nomeadamente antidepressivos. Pode-se questionar se a ac-
ção dos antidepressivos é específica da dor de cabeça. Pela experiência clíni-
ca a resposta é não. Existem muitas outras síndromes dolorosas que respon-
dem favoravelmente ao tratamento com antidepressivos. O que se verifica de
diferente na prática clínica com as cefaleias é uma resposta mais rápida e o
efeito antinociceptivo estabelece-se em geral em dias, na maioria dos casos
em cerca de uma semana. Estudos científicos parecem apontar para o efeito
directo não só central mas periférico dos antidepressivos.
Fármacos como os triptanos, dihidroergotamina, ciproheptidina, propano-
lol, verapamil e antidepressivos têm o seu efeito terapêutico através do sistema
serotoninérgico. Este efeito pode ser directamente nos vasos sanguíneos, mas
não só, no bloqueio da inflamação neurogénica, na modulação da dor e na
inibição da transmissão da dor.
A reserpina, um depletor de serotonina nas plaquetas, é administrado por
via intravenosa a pessoas provocando uma típica crise de enxaqueca mas só
nos pacientes que sofrem de enxaqueca.
Os estrogénios têm influência nos receptores serotoninérgicos 5-HT1 e 5-HT2.
Os receptores serotoninérgicos estão também implicados na depressão,
ansiedade e reacções ao stress. Isto tem feito pensar que a comorbilidade
entre enxaqueca e depressão se deve à alteração comum da serotonina e,


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