Page 27 Cefaleias um desafio
P. 27
de. Para esta hipótese existem estudos que demonstram baixa de 5-hidroxitrip-
tamina nas plaquetas e diminuição de β-endorfina no líquido cefalorraquidiano
e elevações dos níveis plaquetários do GABA. As estruturas superficiais, como
os músculos e os vasos sanguíneos, são enervadas pelos nervos trigémeo e
cervical, que, como vimos, transportam os impulsos nociceptivos da periferia
e que depois convergem na espinal-medula e recebem as vias descendentes
supra-espinhais moduladoras da dor, inibidoras ou facilitadoras. A persistência
da dor ou da actividade nociceptiva periférica desencadeiam a acção de vários
neurotransmissores como o óxido nítrico, substância P, neurocinina A, gluta-
mato, que aumentam a excitabilidade celular. Também uma disfunção seroto-
ninérgica e do sistema opióide estão implicados. Porém, algo mais estes pa-
cientes terão de diferente ou de vulnerável para esta susceptibilidade, e alguns
estudos referem a possibilidade de esta predisposição ser genética.
Vários autores duvidam da existência deste tipo de dor como entidade
separada da enxaqueca, mas clinicamente na observação cuidada dos pacien-
tes não existem dúvidas para as separarmos, em termos de diagnóstico e tra-
tamento. Apesar de vários fármacos serem comuns nas duas situações, enxa-
queca e tensão, isto acontecerá porque actuam no mesmo sistema de dor, como
acontece noutras condições de dor.
Não havendo muitos estudos científicos, podemos, no entanto, conceptu-
alizar que face ao factor desencadeante mais comum ser o psicológico e a
comorbilidade psiquiátrica ser, de facto, muito elevada, agravando a sensibili-
zação central, esta poderá ser o mecanismo fundamental para a persistência
deste tipo de dor. A sensibilização pode ocorrer face a situações de stress
agudo ou prolongado com hiperactivação do sistema nervoso central. Os im-
pulsos periféricos normais associados a contracção muscular passam a ser
percebidos como dor apesar de normalmente não serem estímulos dolorosos.
Os músculos tornam-se também mais sensíveis e a pressão pela palpação não
dolorosa causa dor. Podemos dizer que nesta situação ocorre alodinia e hipe-
ralgesia, mas isto não significa que a patologia seja muscular, pois então como
explicar que os doentes com CTC em geral acordam de manhã (quando não
tem perturbação do sono) sem cefaleia, mas após pouco tempo de estarem em
vigília sentem o início da dor de imediato, diariamente?
Penso que este facto poderá ser determinado pela activação de funções
cerebrais corticais e do sistema límbico na vigília e a activação do sistema
endógeno da dor. Isto revela a grande disfunção do sistema de dor.
Proponho que a reacção normal do ser humano de mal-estar geral ou des-
conforto cefálico (dor de cabeça) esteja associado a um papel inicial útil de
alarme, de defesa do indivíduo, uma reacção primária imediata para algo ame-
açador físico ou emocional que se passa, mas cujos mecanismos sensoriais,
com a persistência dos factores desagradáveis ou ameaçadores, se desregulam,
ou se esgotam, ocorrendo a dor de cabeça, por redução do sistema endógeno
antinociceptivo e por aumento da facilitação da transmissão nociceptiva (hi-
peralgesia secundária). Esta evolução para a cefaleia será determinada por
uma vulnerabilidade psicológica e neurofisiológica individual. Por outro lado,
a existência de uma resposta afectiva, secundária, associada com o sistema
límbico que mantenha o estado de alarme contribuirá para a manutenção da
activação dos mecanismos sensoriais de dor, fechando o circuito de activação
permanente. Este poderá ser o mecanismo que determina a persistência da dor
de cabeça, portanto, através do aumento da facilitação de dor pela persistência
dos factores iniciais que estão na origem da cefaleia ou mesmo muito para
além dos mesmos. Deste modo, não há necessidade da sua existência objecti-
24