Page 26 Cefaleias um desafio
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da área cortical somatossensorial primária que actua no corno posterior da
medula. Isto também acontece haver uma projecção do feixe corticomedular
com o núcleo caudal do trigémeo, podendo contribuir para os mecanismos da
sensibilização central presentes na enxaqueca e outras cefaleias. Este aspecto
da existência de mecanismos descendentes de dor que contribuem para o
componente afectivo motivacional da experiência e modulação da dor e a
constatação da forte conexão entre o córtex e o tálamo pode ser um dos me-
canismos para os factores psicológicos desencadeantes, ou a existência de
cefaleias sem outro motivo orgânico.
Um dos aspectos observados na clínica é que os doentes com enxaqueca
têm quase sempre uma lateralidade mais frequente independentemente dos
factores externos que a desencadeiam. Esta condição é também fortemente a
favor de uma alteração primária do sistema nervoso central na enxaqueca, tal
e qual como na epilepsia idiopática.
De facto, essa vulnerabilidade está presente numa pessoa durante anos
apenas com episódios de dor muito raros até que existem condições que a exa-
cerbam. O doente passa a ter uma frequência aumentada de crises que podem
até ser diárias. Parece assim que a susceptibilidade para a enxaqueca pode estar
latente, e só em presença de determinados estímulos internos ou externos de-
sencadeia a crise de dor. Nesta perspectiva, a aura que antecipa a dor será uma
manifestação cortical reactiva a outro processo neuronal central mas não a
origem (penso que o núcleo da enxaqueca está a outro nível subcortical pois se
assim fosse teríamos sempre aura, ou sempre a dor do lado correspondente à
activação cortical da aura). Observamos na clínica que o doente com enxaque-
ca muito rara passa em condições de stress a um aumento de frequência, o
que pode ocorrer é que esta condição de stress neuronal pode activar de modo
permanente o núcleo cerebral subcortical que estimula as outras estruturas
nervosas, vasculares e musculares envolvidas na enxaqueca.
Após a descarga da activação que poderá estar relacionada com alguns
neurotransmissores, sobretudo a serotonina, deve haver um mecanismo
auto-regulador para que a crise termine e se restabeleça a condição prévia.
De facto, a enxaqueca tem uma evolução previsível por fases, pródromos,
aura, dor de cabeça, resolução e pós-dromo. Na condição de persistência
dos factores desencadeantes (internos ou externos), a convergência neuro-
nal, a exaustão dos mecanismos reguladores ou a desregulação com facili-
tação da transmissão de dor, podem causar a persistência das crises, modi-
ficação das características clínicas da cefaleia ou o aumento muito
acentuado da frequência.
A enxaqueca, tal como outras cefaleias, parece ter um ritmo circadiano, o
que aponta para o envolvimento do hipotálamo na modulação da dor.
Uma hipótese é que a activação do locus coeruleus possa conduzir às al-
terações vasculares. A serotonina tem um importante papel, podendo intervir
a vários níveis no córtex cerebrovascular e na modulação da dor.
No caso da cefaleia de tipo tensão, apesar de ser a cefaleia mais frequente,
não está esclarecido o mecanismo da mesma até hoje. A contracção muscular
foi no início apontada como o principal mecanismo. No entanto, estudos ao
longo dos tempos não demonstram resultados consistentes. A maioria dos
pacientes apresenta aumento da actividade muscular nos músculos pericrania-
nos e do pescoço. Isto por si só não pode explicar este tipo de dor e o mais
provável, embora constatado só em alguns doentes, é a existência de altera-
ções ou défice do controlo central de dor alterando os limiares de sensibilida-


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