Page 9 Volume 25 - N3 - 2017
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Dor (2017) 25


O Encontro Multidisciplinar

a Propósito de um Caso Clínico:


«Viagem ao Centro do Mundo»


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Sara Moreira e Cristina Catana 2





Resumo
As autoras descrevem o caso clínico de uma mulher com dor abdominal crónica com cerca de 8 anos de
evolução, sem alterações nos exames complementares de diagnóstico, referenciada para uma Unidade de
Dor Crónica após um longo percurso de consultas de especialidade em vários hospitais. Abordam a impor-
tância do trabalho em equipa multidisciplinar na opção da estratégia de tratamento e percorrem a intervenção
realizada, que se focou na construção de uma relação psicoterapêutica.

Palavras-chave: Dor crónica. Equipa multidisciplinar. Relação psicoterapêutica.


Abstract
The authors describe the clinical case of a woman with chronic abdominal pain with 8 years of evolution,
without alterations in the complementary diagnostic tests, referenced for a Chronic Pain Unit after a long
course of specialized consultations in several hospitals. They address the importance of working in a multi-
disciplinary team in the choice of the treatment strategy and the intervention performed, which focused on
the construction of a psychotherapeutic relationship. (Dor. 2017;25(3):17-20)
Corresponding author: Sara Moreira, margaridasara@hotmail.com
Key words: Chronic pain. Multidisciplinary team. Psychotherapeutic relation.





Considerações A evidência demonstra cada vez mais a ne-
cessidade de uma intervenção multidisciplinar
O presente caso clínico é único e em simultâ-
neo porta-voz de tantos. no tratamento da dor. Contudo, os profissionais
A pessoa com dor crónica percorre, na maio- de saúde continuam a privilegiar o modelo bio-
ria das vezes, caminhadas sinuosas pelas várias médico, o que é claramente redutor na com-
especialidades médicas, e nem sempre a sua preensão e avaliação da pessoa com dor.
dor é traduzida nos vários exames clínicos.
A dor persiste. Por vezes instala-se um diálo- O que é a dor?
go de surdos pela dimensão subjetiva não se Podemos pensar a dor, para aquém da defini-
1
objetivar . A dor não se encontra no império do ção da Associação Internacional para o Estudo
olhar, do visível: a dor não se vê, a dor é vivida. da Dor, como uma experiência de rutura(s) dos
sistemas protetores: doída no corpo e sofrida na
mente.
A dor crónica tende a desorganizar o aparelho
psíquico, por ser uma experiência de potencial
1 Psiquiatra. Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental violência num tempo prolongado. Remete para
Unidade de Psiquiatria de Ligação e Psicologia da Saúde perda, privação, sofrimento. A dor/sofrimento
– Unidade de Dor precisam de ser tratados. A dor crónica e dor
Centro Hospitalar do Porto psíquica (re)ligam-se.
Porto Estudos epidemiológicos sugerem a existên-
2 Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta cia de uma relação bidirecional entre a dor cró-
Centro Multidisciplinar de Dor nica e a doença mental e estudos de imagem
Hospital Garcia de Orta DOR
Almada funcional sugerem a partilha de mecanismos
E-mail: margaridasara@hotmail.com neuronais, onde as regiões cerebrais ativadas 17
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