Page 47 Analgesia em Obstetrícia
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7. Analgesia para pós-operatório


de cesariana


JOSÉ ANTÓNIO DAMÁSIO



7.1. A história
A cesariana é um dos mais antigos procedimentos cirúrgicos descritos. Scipio
Africanus (273 a 183 aC) descreve o nascimento do 1º César romano como
tendo sido extraído do ventre da mãe. A prática desta cirurgia acompanhava-
se inevitavelmente da morte materna, tendo apenas como objectivo a salvação
do recém-nascido, de acordo com a lei romana, Lex Sesarea.
Remonta a 1500 a primeira descrição de cesariana com êxito, por Jacob
Nufer, após tentativas infrutíferas de parto por via vaginal. Contemporanea-
mente, Rousset publica o primeiro tratado sobre esta técnica cirúrgica
descrevendo 15 cesarianas efectuadas com sucesso, sendo este autor o primei-
ro a usar a designação de cesariana.
Durante os dois séculos seguintes esta cirurgia sofreu grande incremento,
mas em virtude da técnica cirúrgica não contemplar a sutura uterina, a
mortalidade materna manteve-se elevadíssima, acima dos 50%.
Em 1882, Snger e Kehrer desenvolvem uma alteração à técnica, propondo a
sutura uterina após extracção do feto, verificando-se assim uma descida impor-
tante na mortalidade materna, mantendo-se contudo em níveis muito elevados.
Só a partir da 2ª metade do século XX, com a introdução dos novos
conceitos de assepsia e o advento da antibioterapia a cesariana passou a ser
um procedimento cirúrgico seguro tanto para o feto como para a mãe.
Na civilização ocidental, apesar de todas estas evoluções tecnicocientífi-
cas, o factor materno foi sempre subestimado até às últimas 4-5 décadas, pois
apesar do objectivo para a execução da cesariana ter evoluído ao longo dos
tempos, salvação do feto na Era Romana, apenas o baptismo do recém-
nascido vivo ou morto, segundo os princípios cristãos das Idades Média e
Moderna e posteriormente a salvação de ambos, o bem-estar materno no
período perioperatório acabou por ser sempre subvalorizado.
Com o desenvolvimento do conceito, binómio mãe-filho, das últimas
décadas e uma melhor compreensão dos mecanismos da dor e o seu efeito
deletério no pós-operatório (Quadro 1), associado ao desenvolvimento de
novos fármacos e técnicas analgésicas, o factor materno do referido binómio
valorizou-se, procurando-se tanto quanto possível o seu bem-estar no periope-
ratório associado a elevados índices de gratificação materna.
O particularizar a analgesia do pós-operatório da cesariana assume actu-
almente um cariz tão importante, como importante tem sido o aumento da sua
incidência ao longo das últimas décadas.
Contrariando o máximo global recomendado pela OMS (Organização Mundial
de Saúde), que preconiza os 15%, a nossa realidade situa-nos entre os 20 e 45%, pelo
que nunca será de mais realçar a sua importância relativamente aos nascimentos.
O gradativo aumento observado na cesariana parece ser decorrente de
fenómenos multifactoriais, nomeadamente:

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