Page 25 Volume 9, Número 4, 2001
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Dor (2001) 9: 24
Dor (2001) 9
Implicações Psicossociais da Dor



Magna Cunha






O ser humano é insatisfeito por natureza. Daí a busca A relação íntima com a dor depende da significação
constante pela perfeição. Também no âmbito da saúde de que esta se reveste no momento que toca o indiví-
o homem trava uma batalha incessante, na busca da duo. A geografia, por vezes, confusa da dor, mostra
perfeição e para banir a doença. como a realidade do corpo reenvia para significações
Assim, no meu entender, a investigação surge não só inconscientes, sociais, culturais e individuais. A dor
para colmatar as lacunas com que nos deparamos no comunica uma informação sobre o estado físico ou
nosso dia a dia, mas também surge para que possamos moral do indivíduo, mas também, sobre o estado das
atingir a patamar máximo da plenitude humana, ou seja, suas relações com os outros.
a perfeição. No caso específico da saúde, a investiga- Nota-se que a dor não tem um estatuto claramente
ção vem dar oportunidade a que se criem meios para definido e que entre emoção e sensação, a dor tem sido
derrubar as barreiras que nos impedem de levar uma balançada entre duas abordagens igualmente insufici-
vida sã. E um dos casos mais evidentes, onde a vida entes: a análise da dor como emoção, remetendo-a
humana se encontra alterada, é nas situações de indi- para a área filosófica e psicológica e a análise da dor
víduos com dor. como sentido, remetendo-a para a fisiologia.
A abordagem do sujeito com dor implica não só a Na área da dor surgem logo de início 2 classificações:
compreensão dos mecanismos neuroanatomofisiológi- a dor crónica e a dor aguda. Esta última, trata-se de uma
cos, mas igualmente dos factores psicológicos e sociais situação temporária, que remete o indivíduo para uma
implicados. Nos nossos dias, a dor é encarada como situação de sofrimento e desespero, mas que não acar-
um fenómeno multidimensional, razão pela qual o aces- reta, no meu entender, as implicações de uma dor cróni-
so e a caracterização da linguagem ligada à dor, cons- ca. Assim, evidencio que a dor crónica pode tornar-se
titui um meio primordial para a avaliação das qualidades incapacitante e que as pessoas com dor crónica sentem-
únicas de cada indivíduo, perante esta problemática. se, muitas vezes, desesperadas e indefesas, podendo
A dor assume uma dimensão extremamente grave e tornar-se dependentes de drogas. A dor pode inclusive
importante, não só pelo número de indivíduos afecta- impossibilitar as pessoas de saírem de casa, isolando-as
dos, mas também pelo elevado prejuízo social, indivi- socialmente. A sintomatologia depressiva e alterações de
dual e familiar que provoca, aliado a um imenso sofri- humor são frequentes nestes doentes.
mento. Muitas pessoas têm mais alterações de comporta-
Com pesquisas efectuadas acerca deste estado pa- mentos e atitudes quando experimentam a dor por
tológico, denotei que a dor é uma sensação muito períodos prolongados, apresentando algumas das se-
desagradável e muito pessoal que não pode ser com- guintes características: depressão, baixo nível de activi-
partilhada com outras pessoas, podendo ocupar todos dade, redução da capacidade de trabalho, redução da
os pensamentos de uma pessoa, dirigindo as activida- capacidade muscular, isolamento social, preocupação
des da mesma e até mudar a sua própria vida. com os sintomas físicos, fadiga crónica e insónias.
A dor é ainda um dos mais poderosos agentes de Relativamente ao impacto da dor no sistema familiar,
stress que a pessoa pode enfrentar, dado que produz nota-se que os membros da família terão que muitas
impacto físico e psicológico, não esquecendo ainda que vezes ver as suas responsabilidades aumentadas, bem
o estado de dor do doente tem de ser analisado no seu como os seus papeis familiares alterados, devido a
contexto geral como pessoa, a fim da mesma ser socor- problemas financeiros e à necessidade constante que o
rida na sua experiência dolorosa. doente tem de assistência física e apoio emocional.
Penso que não há dor sem sofrimento, ou seja, sem Concluo, na certeza de que o corpo vivo do homem
uma significação afectiva, havendo uma passagem de não se limita ao relevo desenvolvido pelo seu organismo
um fenómeno fisiológico, para um fenómeno com en- e a uma colecção de órgãos e funções regidas por leis
quadramento moral no indivíduo. da anatomia e da fisiologia. A causalidade fisiológica,
Toda a dor reenvia para um sofrimento e, portanto, só por si, não pode dar conta da complexidade da
para uma significação e para uma intensidade própria relação e reacção do homem à sua dor. Daí, a importân-
do indivíduo na sua singularidade, sendo a sua dor cia de compreender toda a envolvência que a dor traz,
fundada numa história pessoal, única. dá e provoca no ser humano que a transporta.

DOR


24 Enfermeira, Serviço de Urgência
Centro Hospitalar do Funchal
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