Page 4 Volume 10, Número 4, 2002
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Dor (2002) 10 D. Lima: Os Bastidores da Dor

Editorial


As Sociedades Anónimas



“The test of a system of medicine should be its

adequacy in the face of suffering” (Eric Cassel)


José Manuel Caseiro








C om o advento da medicina moderna e os notáveis b) O alívio da dor e do sofrimento cusado pelas doen-
ças;
avanços nos processos curativos, a importância
do alívio da dor e do sofrimento diminuiu drastica-
mente, principalmente nas situações em que o c) O cuidado e a cura dos que estão doentes e o
cuidado dos que não podem ser curados;
sua abordagem possa aparecer separada ou distinta do d) O impedimento da morte prematura e a busca em-
tratamento da doença subjacente. penhada de uma morte tranquila.
Vivemos assim, na actualidade, um modelo de formação Quanto mais evoluído for um sistema de saúde melhor
e prática médica que poderemos chamar de “curativo”, fará o balanço entre os dois modelos, se bem que mesmo
para o podermos distinguir de um outro, o modelo “palia- em paises desenvolvidos se continuem a encontrar fortes
tivo”, de características opostas, mais condizente com o barreiras ao alívio da dor, por razões de natureza diversa,
processo de doença, que se preocupa com o cuidado e o mas mais marcadamente culturais e sociopolíticas do que
conforto de quem sofre, respeitando a experiência indivi- económicas ou tecnológicas.
dual de cada um. Dito isto e confessando-me, desde já, como um adepto
Esta dicotomia tem raízes culturais - a cura é o que a dos novos ventos empresariais que agora se começam a
sociedade procura e reclama - que fazem do primeiro sentir nalguns hospitais portugueses e reconhecendo que
modelo o prevalente, relegando o segundo para as situa- o anterior sistema se aproximava do seu esgotamento, não
ções em que a esperança de cura se perdeu. consigo disfarçar alguma intranquilidade sobre a forma
Esta hegemonia do modelo curativo tem dificultado como se lidará com aquelas duas perspectivas, já que a
enormemente o desenvolvimento das metodologias de segunda – a “paliativa”, não irá conseguir ombrear com a
abordagem da dor e do sofrimento, já que há uma enorme primeira – a “curativa”, no sensacionalismo que os media
tendência para se substimar o que se “aprendeu” a clas- imprimem às listas de espera e na fria análise dos números
sificar de secundário. que muitos gestores, menos adaptados ao mundo da
Em 1996, um projecto internacional do Hastings Center doença, entendem determinadamente ser o objectivo prin-
entitulado “The Goals of Medicine – Setting New Priorities” cipal da sua acção.
distinguiu, no seu relatório, as seguintes prioridades: Ainda assim – pedindo desculpa pelo meu optimismo –
a) A prevenção da doença e a promoção e manuten- acredito que a conciliação dos dois modelos será possível.
ção da saúde; Bom Ano de 2003!


















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