Page 8 Volume 10, Número 4, 2002
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C. Teixeira: Um caso de ergotismo num doente VIH+. Tratamento da dor isquémica
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baracnoideu) e sedação consciente (diaze- Um só comprimido de Migretil (Tartarato de
pam 5 mg). Tanto a anestesia como a cirurgia ergotamina 1 mg; Cafeína 100 mg; Alcalóides
decorreu sem intercorrências. Como analge- da beladona 0,1 mg; Paracetamol 400 mg) foi o
sia pós-operatória prescreveu-se paracetamol desencadeante deste quadro isquémico grave,
e.v. (1 g, 6/6 h). que teve necessidade da colaboração da Uni-
Vinte e quatro horas após a cirurgia, o doente dade de Dor.
encontrava-se orientado, colaborante e sem Quando o fluxo sanguíneo é interrompido,
queixas álgicas relevantes. em poucos minutos desencadeia uma dor in-
Do pós operatório de salientar necrose por tensa. Uma das causas desta dor resulta da
infecção dos bordos da incisão do pé esquer- acumulação de ácido láctico nos tecidos, for-
do, que respondeu à antibioterapia. mado do metabolismo anaeróbio que ocorre
O doente teve alta ao 62º dia com indicação durante a isquemia. Existem também liberta-
de fazer penso diário das locas de amputação ção de outros agentes químicos nos tecidos
referenciado à consulta de Cirurgia Vascular lesados, como a bradiquinina, enzimas prote-
bissemanalmente. olíticas e outros, os quais vão estimular os
nocirreceptores. A remissão desta dor coinci-
Discussão de geralmente com a vasodilatação e interrup-
ção do mecanismo de lesão 5,12 .
Os desenvolvimentos recentes na terapêutica A administração de vasodilatadores (pentoxi-
da infecção pelo vírus VIH e da SIDA tem filina e.v. e alprostadil e.v.), assim como as
melhorado muito quer a qualidade, quer a es- técnicas de bloqueio simpático contínuo, nomea-
perança de vida destes doentes, tornando-se damente a perfusão epidural contínua de anes-
esta doença, anteriormente letal, numa doença tésicos locais em doses analgésicas, permitin-
crónica. do a vasodilatação e evitando o bloqueio motor
A terapêutica antirretroviral é uma combina- (ropivacaína 2 mg/ml), são as bases do controlo
ção de medicamentos que dificultam a replica- da dor vasospástica isquémica .
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ção do VIH. Actualmente existem protocolos O bloqueio epidural é tanto simpático como
terapêuticos antirretrovirais que conseguem re- somático, no entanto, com a utilização de solu-
duzir drasticamente a carga viral, não sem es- ções anestésicas locais mais diluídas (ropiva-
tarem isentos de efeitos colaterais. Estes fárma- caína 2 mg/ml ou bupivacaína 2,5 mg/ml) con-
cos podem-se agrupar em três classes: segue-se um bloqueio predominantemente
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Análogos Nucleósidos Inibidores da Transcrip- simpático , permitindo obter o efeito desejado.
tase Inversa (ITIN), Inibidores da Transcriptase A administração de opióides constitui tam-
Inversa não Nucleósidos (ITINN) e Inibidores de bém um pilar importante na terapêutica da dor
Proteases (IP) . isquémica, quer pelas suas propriedades anal-
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De entre os efeitos colaterais dos ITIN, os gésicas, quer pela sua capacidade vasodilata-
mais importantes são: reacção de hipersensibi- dora sistémica. Entre eles o fármaco de eleição
lidade com o abacavir, neuropatia periférica continua a ser a morfina e.v. nas doses analgé-
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com o zalcitabine e o stavudine e supressão da sicas habituais .
medula óssea e miopatia com o zidovudine. Os O número de doentes a efectuar terapêutica
efeitos graves dos ITINN incluem erupções cu- antirretroviral seguidos pelas Unidades de Dor
tâneas graves com a nevirapine e a delavir- tem vindo a aumentar, pelo que devem ser
dine e efeitos neuropsiquiátricos com o efavi- consideradas as possíveis interacções medica-
renz. Os IP causam frequentemente náuseas e mentosas. Devido ao elevado número de fárma-
diarreia, e o indinavir pode causar nefrolitíase. cos que interactuam com a terapêutica antir-
Os IP também têm efeitos metabólicos adver- retroviral, os autores propõem uma relação entre
sos, nomeadamente na distribuição do tecido os inibidores das proteases utilizados pelo
adiposo, hiperlipidemia, hiperinsulinemia e dia- doente neste caso clínico (indinavir e ritonavir)
betes. Pela sua inibição da via enzimática do e os distintos grupos de fármacos utilizados
citocromo P450, os IP interagem com outros nas Unidades da Dor 9-11 :
medicamentos metabolizados no fígado . – Analgésicos
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A ergotamina é um alcalóide da Cravajem do • Não existe interacção farmacológica signifi-
Centeio com potente actividade vasoconstrito- cativa com a administração simultânea de
ra, oxitócica e bloqueante dos receptores alfa- Indinavir e Ritonavir com Ácido acetil-salicí-
adrenérgicos . É extensamente metabolizada no lico ou Paracetamol, assim como entre o
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fígado e a sua administração está contraindica- Indinavir com Codeína, Metadona, Morfina,
da em doentes com qualquer alteração hepáti- Ibuprofeno ou Piroxicam.
ca ou com fármacos que alterem o metabolismo • Há probabilidade de eventual interacção
hepático. Neste caso clínico, os IP com os entre a administração simultânea de Indi-
quais o doente estava medicado (indinavir e navir com Codeína, Dextropropoxifeno,
ritonavir) foram os responsáveis pelo aumento Fentanil, Meperidina ou Tramadol, e do DOR
da concentração de ergotamina no plasma até Ritonavir com Codeína, Fentanil, Metado-
níveis tóxicos (ergotismo). na, Morfina, Tramadol ou Ibuprofen, que 9
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