Page 6 Volume 10, Número 4, 2002
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Dor (2002) 10 C. Teixeira: Um caso de ergotismo num doente VIH+. Tratamento da dor isquémica
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Um caso de ergotismo num doente
VIH+. Tratamento da dor isquémica
Carmen Teixeira Almarza
Resumo
Os autores apresentam um caso clínico de um jovem de 27 anos, raça caucasiana, ex-toxicodependente,
infectado com vírus da imunodeficiência humana tipo 1 (HIV-1) medicado com terapêutica anti-retroviral
desde Dezembro de 1999, que foi internado no Serviço de Infecciologia do Hospital Garcia de Orta (Almada),
por um quadro de isquemia grave das extremidades (de maior relevância nos membros inferiores), que
ocorreu 4 dias após a automedicação com 1 comprimido de Migretil (Ergotamina, Alcalóides da Beladona
®
e Cafeína) devido a cefaleias frontotemporais.
A Unidade de Dor desse Hospital foi contactada para colaborar no seu tratamento.
Palavras chave: SIDA. VIH-1+. Terapêutica Antirretroviral. Inibidores das proteases. Ergotismo. Interacção
medicamentosa.
Introdução midades (sendo de maior relevância nos mem-
bros inferiores). Foi necessária a intervenção da
O Ergotismo pode ser definido como a intoxi- Unidade de Dor do Hospital para o controlo e
cação produzida pelo fungo da Cravajem do tratamento da dor.
Centeio.
Esta doença teve grande repercussão na Ida-
de Média, uma vez que devido à falta de trigo, Caso clínico
o centeio era utilizado no fabrico de pão. Homem de 27 anos, raça caucasiana, ex-toxico-
Actualmente define-se também como Ergotis- dependente, portador do vírus da imunodefici-
mo, a intoxicação produzida pelo uso incontro- ência humana tipo 1 (VIH-1) conhecida desde
lado de alcalóides derivados da Cravajem do Março/95, com critérios de SIDA desde Feverei-
Centeio (p. ex.: a ergotamina utilizada para o ro/97 (candidíase esofágica), com episódio an-
tratamento da enxaqueca) . terior de Herpes Zoster cutâneo (Junho/95) e
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Com o aparecimento de novos fármacos para tricoleucoplasia da língua (Fevereiro/97). Segui-
o tratamento de doentes infectados com o vírus do de forma irregular na consulta de Infecciolo-
da imunodeficiência humana (VIH), nomeada- gia até Dezembro/99, altura em que começou a
mente os inibidores das proteases (potentes realizar terapêutica antirretroviral de forma sis-
inibidores da enzima citocromo P450), novos temática (indinavir/ritonavir, stavudine/lanivudi-
casos de ergotismo com doses mínimas de ne) com boa resposta imunológica e virulógica.
alcalóides têm sido descritas . No dia 22 de Julho do 2000 foi internado no
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Neste trabalho apresentamos um caso clínico Serviço de Infecciologia por um quadro de isquemia
de Ergotismo num doente VIH-1+, após toma grave das extremidades (sendo de maior rele-
inadvertida de Ergotamina (Migretil ), que pro- vância nos membros inferiores), 4 dias após a
®
vocou um quadro de isquemia grave das extre- auto-medicação com 1 comprimido de Migretil ®
(ergotamina 1 mg, alcalóides da beladona 0,1
mg, cafeína 100 mg e paracetamol 400 mg) por
Patrocinio Lucas cefaleias frontotemporais.
Beatriz Craveiro Lopes O doente referiu como início deste quadro um
Serviço de Anestesiologia
Hospital Garcia de Orta episódio de vómitos alimentares (2 h após a DOR
Av. Professor Torrado da Silva; Pragal ingestão) e parestesias (“formigueiros” [sic])
2801-951 Almada constantes nos pés e intermitentes na mão 7