Page 4 Volume 11, Número 1, 2003
P. 4



Dor (2003) 11 José Manuel Caseiro: Editorial: 2003: O 15º aniversário das Unidades de Dor Aguda

Editorial


2003: O 15º aniversário das Unidades

de Dor Aguda




José Manuel Caseiro









Enquanto americanos (B. Ready) e alemães rotulam mesmo de piegas) e as administrações
(C. Maier) disputam a paternidade das Unida- desconhecem ou ignoram o que se vais pas-
des de Dor Aguda, já que ambos, em 1988, sando – até hoje, que eu tenha conhecimento,
defenderam esse conceito organizacional para não houve um só exemplo no nosso País em
a analgesia pós-operatória, interrogamo-nos que a iniciativa de uma Unidade de Dor Aguda
porque motivo não se conseguirá, em Portugal, tenha partido de um órgão administrativo.
que a ideia vingue e seja, mais do que apadri- Há manifestamente um défice de importância
nhada por alguns, verdadeiramente exigida por e de prioridade no combate à dor em Portugal e,
todos. particularmente, à dor do pós-operatório, que para
Várias razões têm sido apontadas, como a a generalidade das mentalidades –profissionais
insensibilidade de quem gere e administra a de saúde assumidamente incluídos– não passa de
saúde, a falta de interesse dos cirurgiões que uma fatalidade: “foi operado, tem que doer”!
verão nesse tipo de organização uma “invasão” É cultural, dirão alguns. É cómodo, afirmo eu.
do pós-operatório dos “seus” doentes e até a Pergunto-me muitas vezes o que pensará de
falta de exigência destes na obtenção de uma si próprio um anestesista que, no dia seguinte
boa analgesia. ao de ter anestesiado um doente, não o vai
Mas se quisermos ser honestos, não podere- visitar. Achará normal? Entenderá que não lhe
mos deixar de acusar, também, os próprios compete? Confiará completamente na preparação
anestesistas que, gostando muito de discutir o do cirurgião, no que diz respeito aos fármacos
tema e de teorizar sobre ele, acabam por ser e técnicas analgésicas? Sentir-se-á realizado
sempre (ou quase sempre) os primeiros a não como clínico e, particularmente como aneste-
cumprir com rigor o papel que lhes deve caber sista? Será isso que pretende que lhe aconteça
no alívio da dor cirúrgica. quando um dia tiver que ser operado? Ser-lhe-á
A obrigatoriedade de seguir o pós-operatório absolutamente indiferente? E se for o seu filho?
imediato, faz parte das exigências profissionais Vejo, desanimado, que não têm sido eviden-
do anestesiologista, independentemente de se tes os progressos nesta área e que aqueles
encontrar ou não organizada essa tarefa no que mais têm dado de si próprios por esta
serviço em que cada um esteja inserido. Não é causa, não têm sido tão bem sucedidos como
o facto de se estruturar um programa organiza- desejavam ou pensaríam que podiam ser.
cional de analgesia do pós-operatório que, por Pelo caminho, vão sendo rotulados de funda-
si só, levará a que aqueles que, por norma, mentalistas da analgesia e ganhando forças
abdicam de cumprir essa obrigação o passem para manterem o combate contra a incom-
a fazer. preensão e o imobilismo que, nos tempos que
Mais preocupante ainda, é que não o fazen- correm, poderão vir a ter mais um fortíssimo
do, também não se sintam mínimamente inco- aliado: as SA.
modados por isso, desvalorizando, por conve- Prevejo que apenas reste aos nossos doen-
niência própria, essa missão e assistindo à sua tes, durante este ano de 2003, o lastimarem-se
volta a idêntica reacção em cadeia: os cirur- por serem portugueses e, sem alternativa, apro-
giões não reclamam, os superiores hierárquicos veitarem a celebração dos 15 anos de existên-
não os chamam à atenção, os doentes não cia internacional das Unidades de Dor Aguda
protestam (ou se o fazem, vai-se-lhes dizendo para, nos seus pós-operatórios, cantarem o
que têm que ter paciência, quando não os “parabéns a você”.
DOR

3
   1   2   3   4   5   6   7   8   9