Page 44 Volume 20 - N1 - 2012
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P.R. Pinto, et al.: A Catastrofização da Dor como Variável Mediadora entre a Ansiedade Pré-Cirúrgica e a Dor Aguda Pós-Cirúrgica após Histerectomia
Este estudo explorou a existência de uma poten- e gestão da dor aguda, e que intervir preventiva-
cial mediação entre estas variáveis, mas apenas mente nos fatores cognitivos pode ter um impac-
uma mediação parcial foi encontrada. Contudo, to direto na experiência de dor após uma cirurgia.
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para testar a mediação, os autores recorreram Estes resultados também podem ajudar a escla-
ao método de Baron e Kenny, que apresenta recer porque é que as intervenções farmacológi-
reconhecidas limitações como fraco poder esta- cas pré-cirúrgicas, através da administração de
tístico e a ausência de uma medida para a força drogas ansiolíticas, como as benzodiazepinas, © Permanyer Portugal 2012
do efeito mediado 32,54 . Além disso, este estudo ainda não provou ser eficaz na redução da inten-
tinha uma amostra pequena (n = 38) e heterogé- sidade da dor pós-cirúrgica 58,59 . A prescrição de
nea (34 hernioplastias e quatro colecistectomias). medicamentos de largo espectro ansiolítico pare-
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Por sua vez, num estudo de Sommer, et al. , com ce, assim, não contemplar um fator cognitivo cha-
217 sujeitos submetidos a cirurgia de ouvidos, ve associado à ansiedade pré-cirúrgica, e que é
nariz e garganta, os autores concluíram que a a catastrofização da dor.
ansiedade pré-cirúrgica não era um preditor sig- Em suma, o modelo integrativo de predição
nificativo da dor aguda pós-cirúrgica enquanto apresentado neste estudo revela a influência si-
a catastrofização da dor era. multânea que os fatores demográficos, clinicos e
O artigo aqui em discussão foi o primeiro a ex- psicológicos podem exercer na experiência de
plorar simultaneamente estas duas variáveis – an- dor pós-cirúrgica. Este é um modelo parcimonioso
siedade pré-cirúrgica e catastrofização da dor – que pode ter implicações clínicas na compreen-
numa amostra de pacientes portuguesas submetidas são e avaliação da dor aguda pós-cirúrgica, e
a histerectomia realizada devido a causas benig- pode ser direta e facilmente aplicado no período
nas. Os resultados revelaram a ansiedade pré-cirúr- pré-cirúrgico, às mulheres com histerectomia pro-
gica como um preditor significativo da gravidade e gramada. Um clínico poderá rapidamente avaliar
intensidade da dor pós-cirúrgica. Contudo, quando estas variáveis sem precisar de um protocolo
o efeito da ansiedade pré-cirúrgica foi corrigido complexo e longo que requereria treino especia-
para a catastrofização da dor (adicionada no passo lizado. Conhecendo a idade das pacientes, sa-
seguinte da equação de regressão), este efeito dei- bendo se há dor pré-cirúrgica, presença ou au-
xou de ser significativo. Perante a ausência de pro- sência de dor devido a outras causas, níveis de
blemas de colinearidade, que podiam ter contribu- catastrofização da dor e ansiedade pré-cirúrgica,
ído para a supressão do efeito da ansiedade os profissionais clínicos podem rápida e pragma-
pré-cirúrgica, os dados pareciam indicar um efeito ticamente avaliar o risco das mulheres submetidas
de mediação via catastrofização da dor, tendência a histerectomia virem a desenvolver níveis mode-
essa que os autores quiseram clarificar. A análise rados a severos de dor pós-cirúrgica. Com este
de mediação conduzida, usando uma metodologia modelo prático, as mulheres em risco de desen-
muito atual de técnicas de bootstrapping, apoiou e volver níveis mais elevados de dor aguda pós-
confirmou esta hipótese de mediação. Neste estudo cirúrgica podem ser facilmente identificadas e ser
os autores propõem, portanto, que a relação entre alvo de estratégias de intervenção apropriadas.
ansiedade pré-cirúrgica e dor pós-cirúrgica é total- Para lidar com a ansiedade, as intervenções Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.
mente mediada pela catastrofização da dor (Fig. 1). terapêuticas cognitivo-comportamentais breves
A ansiedade pré-cirúrgica parece, assim, estar as- (como o relaxamento breve) têm sido amplamente
sociada a cognições negativas acerca da dor que utilizadas 60-62 . Porém, os resultados pioneiros do
predizem um aumento na perceção da dor pós- presente estudo mudam o foco para o papel dos
cirúrgica. A catastrofização da dor envolve a fatores cognitivos na experiência de dor aguda
exacerbação do valor da ameaça da dor e ge- pós-cirúrgica, sugerindo que as intervenções pré-
neralização do seu impacto negativo, bem como cirúrgicas devem incluir também a abordagem
sentimentos de desamparo e pessimismo em rela- das cognições de catastrofização da dor. Estas
ção à capacidade para lidar com essa dor 53,55 . intervenções, implementadas antes da cirurgia,
Esta avaliação tem implicações clinicas: à medida devem ter como objetivo o desafio dos conteúdos
que aumenta a ansiedade pré-cirúrgica, as mulhe- cognitivos negativos associados à catastrofiza-
res tendem a catastrofizar mais acerca da dor e isso ção da dor, substituindo-os por estratégias de
vai conduzir a um aumento da intensidade da dor confronto com a dor mais adaptativas 60-64 . Tal
aguda pós-cirúrgica. Estes resultados de mediação intervenção seria fácil de implementar no perío-
assumem extrema relevância na medida em que do de 24 horas que antecedem a cirurgia, quan-
podem contribuir para clarificar dados aparente- do as mulheres já estão em ambiente hospitalar.
mente incongruentes relativamente à relação entre
a ansiedade e a dor 37,46,56,57 e responder a algumas Bibliografia
das questões levantadas pelos estudos supracita- 1. Apfelbaum JL, Chen C, Mehta SS, Gan TJ. Postoperative pain ex-
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dos de Sommer, et al. e de Granot e Ferber . A perience: results from a national survey suggest postoperative pain
continues to be undermanaged. Anesth Analg. 2003;97:534-40.
associação encontrada entre a ansiedade e a ca- 2. Strassels SA, McNicol E, Suleman R. Postoperative pain manage-
tastrofização da dor, bem como o papel desta últi- ment: A practical review, part 1. Am J Health-Syst Pharm.
ma na predição da dor aguda pós-cirúrgica, suge- 2005;62:1904-62. DOR
re que quer os fatores emocionais quer os fatores 3. Carr DB, Goudas LC. Acute Pain. Lancet. 1999;353:2051-8.
4. Munafo MR, Stevensson J. Anxiety and surgical recovery – Reinter-
cognitivos devem ser considerados na prevenção preting the literature. J Psychosom Res. 2001;51:589-96. 43

