Page 5
P. 5
Dor (2014) 22
Dor (2014) 22
Editorial
Sílvia Vaz Serra
lá a todos que apesar de não haver estudos que o com-
Este será, talvez, um volume um pouco provem, a evolução favorável desta doente per-
Odiferente dos anteriores. Um pouco mais mite equacionar a hipótese de que a estimula-
focalizado na experiência dos intervenientes, ção elétrica medular, por um período de tempo,
dos «fazedores». Um pouco mais intimista na tenha efeitos terapêuticos prolongados. Um tes-
medida em que o relato vem na primeira pessoa, temunho, uma escolha pensada e positiva.
na explanação de como atuaram, de como fize- O artigo que se segue lança-nos uma questão:
ram. Neste passar de testemunhos, que são os qual o limite? Quantas vezes não colocámos essa
artigos, ficam expressas ideias, técnicas, concei- mesma interrogação, em tão diversas situações:
tos…, mas também são lançadas interrogações, qual o limite da dose, do tempo, do esforço, da
dúvidas, sugestões. O tal processo dinâmico opção…, até onde se pode ir, com segurança?
que se pretende fulgurante, desafiador – ques- Que atitude tomar perante doentes com dor onco-
tionável. Como costumo dizer: só duvidando, lógica refratária, especialmente aqueles com com-
interpelando, discutindo é que a ciência, os con- ponente significativo de dor neuropática, quando
ceitos evoluem, rolam, se divulgam, se tomam a analgesia oral ou sistémica tem efeito insuficien-
por «certos» para, eventualmente/certamente, te ou efeitos laterais inaceitáveis? A utilização de
tempos passados se voltarem a colocar em causa sistemas infusores intratecais implantáveis (SIII)
e, qui ça, renascerem, ou talvez não. Toda esta pode ser considerada quando a expectativa de
prosa faz-me recordar um slide que o Dr. Narinder vida do doente não ultrapassa os três meses? Qual
Rawal utilizava no começo de todas as suas o custo-benefício? Qual o melhor fármaco? Qual a
apresentações, nos idos anos 90, quando falava dose limite? Há risco potencial para o desenvolvi-
de dor aguda pós-operatória: make pain visible. mento de hiperalgesia? A leitura detalhada deste
Só se fala do que é mostrado, comunicado. Tudo excelente caso clínico irá, com certeza, resolver
o resto vem por acréscimo. algumas questões e colocar muitas outras.
O artigo que abre este volume tem por objeti- Neste artigo aborda-se a osteoartrose, a mais
vo determinar a prevalência da dor neuropática comum das doenças músculo-esqueléticas. Os
num serviço de medicina física e reabilitação. É mecanismos neurobiológicos que desencadeiam
utilizado um instrumento de avaliação cuja utili- a dor na osteoartrose não estão totalmente escla-
dade os autores demonstram, o DN4, mas colo- recidos e, apesar de os estudos em humanos
cam questões pertinentes: um doente poderá ter assumirem uma particular importância, os mode-
dor neuropática e não a encarar como tal por los animais são cruciais para a obtenção de co-
não a reconhecer como dor? Todos os doentes nhecimento sobre os mecanismos biológicos da
conseguem entender os discriminativos de dor dor na osteoartrose. Neste excelente artigo são
neuropática? Doentes com perturbações da lin- descritos alguns desses modelos, discutidas
guagem ou alterações cognitivas conseguem também as limitações da avaliação comporta-
participar no questionário? Será lícito abordar e mental da nocicepção e mostrada a relevância
tratar estes doentes como tendo este tipo de clínica dos testes Knee-Bend e CatWalk nesta
dor? Como salientam, a incapacidade para co- tarefa. Adicionalmente, os autores explanam os
municar verbalmente não pode negar a possibi- motivos do frequente insucesso na translação clí-
lidade de que um indivíduo esteja a experienciar nica, apesar do conhecimento atual derivado dos
dor e, como tal, a necessitar de tratamento anal- diferentes modelos de osteoartrose. É salientado
gésico apropriado, concluindo pela necessida- que as respostas obtidas em modelos animais de
de de uma nova versão de DN4 que contemple osteoartrose poderão abrir novas portas sobre os
este tipo especial de população. elementos – neuropáticos, nociceptivos, inflama-
Num pertinente artigo, os autores apresentam tórios ou outros – que contribuem para a dor na
um caso clínico de uma doente com isquémia osteoartrose. Realça-se a importância de estabe-
grave dos membros inferiores e dor refractária a lecer canais de comunicação entre a investiga-
todas as possibilidades de tratamento médico e ção básica e a investigação clínica, de modo a
cirúrgico. A opção terapêutica foi a implantação permitir o estabelecimento de novas estratégias
de um estimulador elétrico medular do qual re- terapêuticas para a dor na osteoartrose.
sultou a reversão completa da dor e da isqué- Neste último artigo, salienta-se a relevância do
DOR mia. Não é esquecida a análise de custo-bene- registo e processamento de dados das consul-
tas das unidades de dor. Considera como van-
fício nem as possíveis complicações desta opção
4 de tratamento. Concluem os autores, afirmando tagem a informatização dos dados: a melhoria