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M. Oliveira, F. Antunes: Impacto da Dor Neuropática em Contexto de Internamento
Introdução A prevalência exata de DN não é conhecida.
Um estudo francês conduzido a nível nacional
Segundo a International Association for the com o objetivo de estimar a prevalência de dor
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Study of Pain (IASP) , podemos definir dor como crónica com ou sem características neuropáti-
uma experiência sensorial e emocional desa- cas na população geral francesa, revelou que
gradável, associada a lesão tecidular real ou 32% dos inquiridos sofriam de dor crónica, sen-
potencial. A incapacidade para comunicar ver- do que 7% destes doentes apresentavam carac-
balmente não nega a possibilidade do indivíduo terísticas de DN (assim classificados de acordo
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experienciar dor e, como tal, necessitar de tra- com pontuação no DN4) . Partindo desses resul-
tamento analgésico apropriado. A dor é sempre tados, foi conduzido um novo estudo com o ob-
subjetiva e cada indivíduo descreve a sua dor jetivo de avaliar o impacto da DN na comunida-
de acordo com experiências relacionadas ao de, e verificou-se que os doentes com DN
longo da vida. É sempre desagradável e, como apresentavam um grau mais acentuado de inca-
tal, também é uma experiência emocional. Ex- pacidade em todas as dimensões relativas à
periências anómalas desagradáveis (diseste- qualidade de vida e sono e scores de ansieda-
sias) também podem ser consideradas dor, mas de/depressão, do que aqueles com dor sem
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não necessariamente, porque, subjetivamente, características neuropáticas ou sem dor . Existe
podem não ter as características sensoriais ha- também uma percentagem importante de doen-
bituais de dor. Muitas pessoas relatam dor na tes na comunidade com DN não tratada ou sub-
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ausência de qualquer lesão tecidular ou qual- -tratada .
quer outra causa patofisiológica, o que acontece Apesar de já haver vários estudos que avaliam
habitualmente por razões psicológicas. Se o in- a prevalência de DN crónica, ainda há poucos
divíduo considera a sua experiência como dor, estudos conduzidos em fase aguda em ambien-
e se a relata da mesma forma como a dor cau- te hospitalar 10-12 .
sada por lesão tecidual, esta deve ser aceite De forma a melhor caracterizar a dor numa
como dor. Na caracterização da dor, a IASP de- população de doentes internados num serviço
fine a DN como dor causada por lesão ou doença de MFR de um hospital de doentes agudos, em
do sistema nervoso somatossensorial. É notado que a maioria dos diagnósticos é de etiologia
que a DN é uma descrição clínica (e não um neurológica, os autores entrevistaram e aplica-
diagnóstico). ram o questionário DN4 aos doentes internados
Na ausência de critérios de diagnóstico vali- que relataram descritivos de dor. Pretenderam
dados e consensuais, o diagnóstico de DN é desta forma conhecer e detalhar melhor a dor
frequentemente difícil, sendo tipicamente basea- vivenciada num serviço de MFR procurando,
do na identificação da lesão do sistema nervoso de forma particular, relacioná-la com a etiolo-
que a motiva, entrevista clínica e exame físico gia neurológica estabelecida e justificativa da
do doente. Exames adicionais serão apenas re- maior parte dos doentes internados, assim
levantes para o diagnóstico etiológico . Existem como do compromisso funcional potencialmen-
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combinações de sintomas e sinais clínicos que te desencadeado. Para isso, relacionaram os
apresentam elevado poder de descriminação no dados de caracterização da população, com o
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rastreio de DN . Neste sentido têm sido criados tempo de internamento e o compromisso funcio-
vários instrumentos de rastreio sob a forma de nal, utilizando a medida de independência fun-
questionários, sendo que os mais descritos são cional (MIF).
os seguintes: Leeds Assessment of Neuropathic
Symptoms and Signs (LANSS); Neuropathic Pain Material e métodos
Questionnaire (NPQ); Douleur Neuropathique en
4 Questions (DN4); painDETECT e ID-Pain . Doentes e definições
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O DN4 é uma ferramenta francesa desenvolvi- A população em estudo refere-se aos doentes
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da com base na análise de um grupo de 160 in- internados num serviço de MFR entre 1 de janei-
divíduos [cinco dos quais com lesão medular e ro e 30 de junho de 2013.
11 com dor pós-acidente vascular cerebral (AVC)], Foram registadas as seguintes variáveis rela-
com dor crónica. Consiste num questionário com tivamente à população em estudo: sexo; idade;
10 itens: sete itens relativos a descritivos de dor duração de internamento no serviço de MFR;
e três itens resultantes de exame físico (altera- MIF à admissão e à data de alta no serviço de
ções somatossensoriais e dor evocada). A cada MFR; diagnóstico; etiologia; sequela.
item positivo é atribuída uma pontuação de um Foi aplicada a versão portuguesa validada
e o score total é calculado através da soma dos do DN4 aos doentes internados no serviço de
10 itens, sendo o valor de corte para o diagnós- MFR que reportaram descritivos de dor. Fo-
tico de DN um score ≥ 4 em 10. Os autores re- ram excluídos desta aplicação os doentes
portaram uma elevada especificidade (90%) e com afasia (com comprometimento da com-
sensibilidade (83%) no rastreio de DN. preensão ou incapacidade de expressão),
O DN4 já foi traduzido e validado para a lín- alterações cognitivas ou qualquer outra razão DOR
gua portuguesa, com boas propriedades psico- que comprometesse a compreensão do ques-
métricas . tionário. 7
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