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No caso da polaca, havia, como é evidente, O 4. princípio é o da justiça. Este princípio,
o
todo o desejo de lhe proporcionar o melhor já enunciado por Hipócrates, pressupõe igual-
conforto possível à luz dos conhecimentos de dade no sentido de uma sociedade justa, com
então. direito à liberdade, igualdade de oportunidades
No entanto, estávamos o provocar à doente e distribuição de riqueza.
um mal-estar, um sofrimento que a senhora não É um princípio que se insere nos direitos, li-
queria («Mais não, doutor!»). berdades e garantias do cidadão que, como © Permanyer Portugal 2012
Isto levanta um problema muito comum em todos sabem, ultrapassa completamente a ca-
Medicina que é o paternalismo. pacidade de intervenção dos profissionais de
Embora seja comum afirmar-se que na falta saúde, mas que não pode ser esquecido sobre-
de legislação deve atuar-se como um bom pai de tudo naquilo que comporta discriminação aos
família, preceito que é, muitas vezes, utilizado cuidados de saúde.
na Justiça, o não levar em linha de conta o sen- De qualquer maneira alguma coisa pode ser
tir e o desejo do doente pode criar situações feita.
embaraçosas. Lembro, a propósito, todo o movimento e es-
Somos, muitas vezes, levados a sobrepormo- forços desenvolvidos por tantos na legislação
nos ao doente, decidindo por nós aquilo que sobre comparticipação de opióides, que condu-
achamos que é o melhor para ele. ziu à sua prescrição quase gratuita, o que cons-
E nem sempre o que nós pensamos corres- tituiu um avanço enorme no tratamento da dor.
ponde àquilo que o doente deseja. Esperemos que as vicissitudes por que passa
A própria superproteção pode ser indese- a atual situação económico-social do nosso país
jável. não ponha entraves ou retrocessos a esta situa-
Lembro-me de um caso de uma senhora in- ção, o que constituiria não só um golpe nos di-
diana seguida na nossa consulta, superprote- reitos e garantias do doente, como uma violação
gida pelas filhas, confidenciar-me que só se ética ao princípio da justiça.
sentia bem ao fim de semana, dias em que Vulnerabilidade. Este princípio, introduzido por
as filhas a deixavam sozinha, pois só nesses Kemp P, Rendtorf J, em 1998, baseado num
dias podia fazer o que lhe apetecia, que, coita- estudo multicêntrico europeu, baseia-se na vul-
da, não seria muito, dada a situação avançada nerabilidade perante a doença de certas pesso-
em que se encontrava. as como crianças, velhos, diminuídos, doenças
É fundamental, no entanto, que estes princí- incapacitantes e avançadas.
pios existam e sejam lembrados. para evitar que Este princípio não deve ser confundido com
sob a capa da beneficência se provoque toda e paternalismo, mas com o reconhecimento das
qualquer forma de agressão ao doente, como circunstâncias em que a vida humana merece
por exemplo o encarniçamento terapêutico ou uma proteção privilegiada.
qualquer forma mais ou menos encapotada de De acordo com o conceito de isonomia, termo
utilização de novos fármacos ou novas terapêu- grego para definir igualdade de direitos políti-
ticas, que constituem autênticas violações ao cos, devemos tratar igualmente os iguais e de- Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.
princípio da não-maleficência. sigualmente os desiguais na medida da sua
O princípio da autonomia, de auto, próprio, e desigualdade.
nomo, norma, é um princípio de respeito pela Segundo D. Serrão, os seres humanos em
pessoa humana e o seu direito à autodetermina- determinada situação não são iguais na sua
ção (decidir por si própria). capacidade de suportar relações com o mundo
É um conceito kantiano que defende o indiví- natural e com outros seres humanos, pelo que
duo como pessoa moral e autónoma. é eticamente aceitável uma discriminação posi-
Em 1914, um juiz americano condenou o autor tiva em favor dos mais fracos ou dos mais vul-
de uma cirurgia que praticou uma operação neráveis.
mais extensa do que tinha sido autorizado pelo Este aspeto é, sem dúvida, importante nas
doente e, como esta situação não estava previs- situações em que temos de decidir o que é
ta na lei, este ato passou a constituir jurispru- melhor para o doente, ou que critérios economi-
dência. cistas de pendor custo-benefício não devem ser
Este princípio deverá sempre ser respeitado, aplicáveis, como por exemplo no bem-estar de
levando em conta a decisão do doente, que um moribundo.
para isso deve dar o seu consentimento escla- Devemos, pois, ser muito cautelosos quando,
recido e informado das consequências e alter- embora cheios de boas intenções, não nos aper-
nativas da sua decisão. cebemos daquilo que é verdadeiramente a von-
Mais, o doente pode delegar, renovar ou revo- tade do doente, o que pode conduzir-nos a si-
gar o seu consentimento. tuações de omissão ou obstinação terapêutica.
No caso das crianças, deficientes mentais ou Este problema pode ser obviado pela vonta-
pessoas incapazes de decidir, a lei estabelece de expressa do doente enquanto capaz de de-
DOR a quem compete a responsabilidade da deci- cidir, através de um testamento vital, tema que
poderá vir a ser um tema fraturante da atual
são, mas compete ao médico atuar sempre em
6 benefício do doente. legislatura.
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