Page 5 Volume 25 - N2 - 2017

Dor (2017) 25
Dor (2016) 24
Editorial

Sílvia Vaz Serra

ensar, ainda assim, é agir. Só no devaneio logia, diagnóstico e tratamento da nevralgia do tri-
absoluto, onde nada de ativo intervém, gémeo, baseada na evidência disponível e nos
Ponde por fim até a nossa consciência de dados extraídos da análise retrospetiva da casuís-
nós mesmos se atola num lodo – só aí, nesse tica dos doentes seguidos pelo Centro Multidiscipli-
morno e húmido não-ser, a abolição da ação com- nar de Dor do Hospital Garcia de Orta. É assinala-
petentemente se atinge.» 1 da a importância de um diagnóstico correto e
Não se pode escamotear a prevalência de dor precoce, e são abordadas as várias opções tera-
crónica em pacientes com perturbação de uso de pêuticas. A intervenção psicológica, a par das in-
substâncias nem do seu subtratamento. Neste ex- tervenções farmacológicas e cirúrgicas, é conside-
celente artigo, os autores analisam os potenciais rada imprescindível, dado o grande impacto
problemas decorrentes da prescrição de opioides negativo na qualidade de vida. A reter.
nesta população, sinalizando as preocupações re- «Para atingir a verdade faltam-nos dados que
lativas ao reward, e fornecem um guia clínico para bastem, e processos intelectuais que esgotem a
a utilização deste grupo terapêutico no tratamento interpretação desses dados.» 1
da dor crónica em pacientes com história de adi- Tendo como ponto de partida a revisão da lite-
ção. É sublinhada a importância do não tratamento ratura, os autores elaboram um texto que tem
da dor ou subtratamento da mesma como fator como objetivo a revisão da eficácia da acupuntura
crítico para a recidiva destes pacientes. É relevan- no tratamento da disfunção da articulação tempo-
te a leitura deste texto. romandibular. Evidenciam que a acupuntura é uma
«Nenhum problema tem solução. Nenhum de técnica explicada à luz dos conhecimentos médi-
nós desata o nó górdio; todos nós ou desistimos cos ocidentais e com importância terapêutica
ou o cortamos. Resolvemos bruscamente, com o crescente. Apesar dos resultados considerados
sentimento, os problemas da inteligência, e faze- promissores, alguns autores reforçam a necessi-
mo-lo ou por cansaço de pensar, ou por timidez dade de ensaios clínicos com melhores metodolo-
de tirar conclusões, ou pela necessidade absurda gias (protocolos de tratamentos bem definidos e
de encontrar um apoio, ou pelo impulso gregário medidas de avaliação uniformizadas) e maiores
de regressar aos outros e à vida.» amostragens de doentes. Concluem, salientando
1
O tratamento da dor é um desafio nos doentes que a acupuntura é um tratamento eficaz no con-
com cirrose hepática, sendo frequente a ocorrên- trolo álgico da disfunção temporomandibular, es-
cia de reações adversas desencadeadas pelos sencialmente a de origem miofascial e com baixa
analgésicos opioides. Neste texto é descrita a im- incidência de efeitos adversos. Mais uma «arma»
portância do conhecimento das propriedades far- terapêutica disponível e a implementar.
macocinéticas e farmacodinâmicas dos diferentes Neste pertinente artigo, os autores reveem a
opioides, sendo essencial uma monitorização cui- evidência do papel do sistema nervoso simpático
dadosa e uma adequação da posologia. Os auto- na patofisiologia da cistite intersticial/síndrome do-
res salientam a necessidade de mais investigação lorosa vesical. Nos trabalhos analisados, o sistema
como forma de estabelecimento de diretrizes para nervoso simpático surge como um dos principais
o ajuste terapêutico necessário nesta situação clí- contribuidores e a sua influência, comprovada ex-
nica. É feita a caraterização de cada um dos fár- perimentalmente, poderá estar subjacente, pelo
macos passíveis, ou não, de serem prescritos, de menos em parte, às múltiplas queixas reportadas
forma a fornecer um tratamento individualizado e por estes doentes, nomeadamente a dor. É realça-
otimizado e minimizando os possíveis efeitos ad- da a necessidade de investigação adicional a ní-
versos. De importante interesse prático. vel translacional, combinando o uso de modelos
«Como nunca podemos conhecer todos os ele- animais de doença e estudos clínicos, com a fina-
mentos de uma questão, nunca a podemos re- lidade não apenas da identificação do evento de-
solver.» 1 sencadeador da hiperatividade simpática mas
Num importante artigo de revisão, os autores também do desenvolvimento de estratégias tera-
apresentam a revisão bibliográfica da epidemiolo- pêuticas inovadoras mais eficazes.
gia, anatomia clínica relevante, etiologia e fisiopato- «Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma
nota à margem de um texto apagado de todo.
Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o
DOR sentido que havia de ser o do texto, mas fica
sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são
Trechos de «O livro do desassossego» de Fernando
4 1 Pessoa. muitos.» 1