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A muito frequente associação evidenciada na clínica entre a CTC e a de-
pressão clínica ou mascarada com ou sem ansiedade, e o facto do seu trata-
mento aliviar também as cefaleias, revela que as emoções são um dos factores
desencadeantes deste tipo de dor de cabeça. Em comum temos a alteração
do sistema serotoninérgico, a diminuição do limiar de dor e a alteração do
estado emocional poder ser o detonador da contracção muscular dos mús-
culos pericranianos que em alguns estudos está presente em 86% dos pacien-
tes com CTC. Penso que, pelo que é observado na clínica, o mecanismo fi-
siopatológico da CTC é psicobiológico ou até se pode dizer que a CTC é uma
dor biopsicossocial. Verificámos na prática clínica nitidamente o início deste
tipo de dor com acontecimentos da vida pessoal e o desaparecimento com a
resolução ou adaptação a esse factor de stress. Frequentemente, durante o
curso de tratamento psicoterapêutico, os pacientes com crises de cefaleia de
tipo tensão episódica ou crónica identificam conscientemente as causas de-
sencadeantes da dor, mas anteriormente não eram capazes de ter acesso a esse
conhecimento e portanto não era estabelecida essa relação ou nexo de causa-
lidade. A persistência de um estado de grande tensão emocional parece des-
regular os mecanismos endógenos de modulação de dor a nível central e pe-
riférico estabelecendo a cronicidade da dor.
Outro tipo de dor muito menos comum mas também primária, em que a
principal característica é a sua ocorrência por salvas e períodos de um mês a
anos em que o paciente tem frequentes acessos de dor unilateral, orbitária,
supra-orbitária e/ou temporal, ou com períodos de remissão sem qualquer
manifestação de dor de cabeça, é a cefaleia em salvas ou de tipo cluster. A
periodicidade é a sua característica major. Outra é a presença frequente de
sintomas autonómicos associados como lacrimejo homolateral, congestão da
conjuntiva, congestão e rinorreia nasal, ptose palpebral, miose, rubefacção
facial ou palidez, hipersensibilidade cutânea, bradicardia e dor à palpação da
artéria carótida do mesmo lado. Outra característica é a localização da dor
unilateral, que pode ser orbital, supra-orbital ou temporal ou mista, durando
cerca de 15-180 min e ocorrendo uma vez em cada dois dias ou oito vezes por
dia. Pode ser episódica ou crónica conforme ocorre menos ou mais de um mês
sem remissão. A prevalência é maior no sexo masculino.
Assim, o ramo envolvido é a divisão oftálmica do trigémeo neste caso. Este
passa na parede lateral do seio cavernoso onde recebe fibras pós-ganglionares
simpáticas do plexo da artéria carótida interna. O seio cavernoso parece ser
o ponto de intersecção do nervo oftálmico, nervos cranianos simpáticos e nervos
cranianos parassimpáticos. Os mesmos mecanismos de inflamação neurogénica
e a activação trigémino-vascular estão presentes. A presença de vasodilatação
da artéria oftálmica ramo da artéria carótida interna tem sido reafirmada duran-
te o ataque. Os sintomas autonómicos resultam da activação dos nervos paras-
simpáticos cranianos, pensando-se que resultam da activação colateral das vias
parassimpáticas a partir do núcleo caudalis do trigémeo, o reflexo trigémino-
parassimpático. A presença de uma síndrome de Horner é devida ao envolvi-
mento do plexo carotídeo simpático. As fibras simpáticas são também cone-
xadas com o gânglio cervical superior. Várias substâncias neurotransmissoras
estão implicadas como o peptídeo relacionado com o gene da calcitonina
(CGRP), óxido nítrico, acetilcolina, noradrenalina, polipeptídeo intestinal va-
soactivo (VIP), e adenosina trifosfato (ATP).
A parte mais complicada é explicar a periodicidade e aqui é tentador pen-
sar que estamos perante uma perturbação de dor de tipo endógena periódica
em que a reactividade a factores externos é muito menor comparada com


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