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outras cefaleias ditas primárias. Não há nenhuma outra situação comparável
exceptuando o transtorno afectivo bipolar em que a evolução pode ter um
curso semelhante com os períodos de doença activa e de remissão. Dentro dos
períodos activos, pode ser de ciclos rápidos alternando o humor de quinze em
quinze dias ou até no mesmo dia em horas, ou episódios repetidos mais pro-
longados com a duração de meses. Não dispomos de dados fisiopatológicos
para as equiparar. Em comum temos o efeito preventivo do lítio e do valproa-
to de sódio nalguns pacientes com cefaleia de tipo cluster. Estes estabilizado-
res do humor, usados na doença bipolar, requerem para a sua acção terapêu-
tica o aumento da expressão de um factor neurotrófico e antiapoptótico que
é a Bcl-2. Esta molécula, além da capacidade de diminuir a morte das células,
tem propriedades neuroprotectoras de ramificação dendrítica e crescimento
axonal.
Nas cefaleias em salvas, o mecanismo proposto para a periodicidade é a
activação intrínseca do hipotálamo pelas suas ligações com o ritmo circadiano
e do ciclo do sono e com as conexões com núcleos parassimpáticos e neu-
rónios simpáticos dentro do cérebro e da espinal-medula. Estudos demons-
traram alterações estruturais na substância cinzenta do hipotálamo nos do-
entes com cefaleia em salvas. Foi também demonstrada a activação do
hipotálamo homolateral em ataques de cefaleias cluster espontâneas. Tam-
bém o tratamento com a estimulação cerebral profunda da parte homolateral
inferior do hipotálamo tem sido benéfico. As lesões cirúrgicas do nervo trigé-
meo e do nervo grande superficial petroso não impedem o aparecimento de
dor, o que favorece a hipótese do mecanismo patológico central de dor. Outra
característica típica nos pacientes com este tipo de cefaleia é a alteração do
comportamento associado às crises que se pode manifestar por agitação, in-
quietude, estar de pé, andar de um lado para o outro, chorar, gritar ou berrar,
querer ficar só, impaciência, ou atitudes mais extremas como de auto-agressão
ou heteroagressão. Os estudos em animais revelam que a estimulação do hi-
potálamo posterior lateral provoca a simulação de raiva, também a estimulação
do hipotálamo anterior médio pode provocar inquietude. Estes aspectos são
concordantes com a hipótese de uma disfunção hipotalâmica na génese deste
tipo de dor de cabeça.
Claro que também podem existir situações periféricas a causar cefaleia de
tipo cluster, mas secundárias como um meningioma cervical, mas aqui não
existe a periodicidade. Assim, também temos aqui a ligação entre o núcleo
espinal do trigémeo e os ramos nervosos cervicais a nível de C2, que se tornam
hiperactivos unilateralmente também durante a cefaleia de cluster.
Vale a pena salientar de novo os mecanismos psicológicos na dor de cabe-
ça que interagem com todas as cefaleias, mas podem ser a causa principal.
Uma das demonstrações do efeito psicológico no sistema de dor é o efeito
analgésico placebo que é revertido pela naloxona (antagonista opióide).
Em todos estes tipos de dor há algo muito importante a reter: é que a
percepção de dor ou seja o sintoma cefaleia pode ser devida aos fenómenos
periféricos, como a vasodilatação, contracção muscular e a inflamação neuro-
génica, que desencadeiam estímulos nociceptivos que são percebidos como
dor, mas os mecanismos que as originam são centrais.
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