Page 22 Volume 10, Número 4, 2002
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especialmente das lâminas superficiais, são neuronal (Zhu & Connors, 1999; Woolf & King,
habitualmente pequenos (Light & Willcockson, 1989); e a crescente noção de que as redes de
1999; Cervero & Iggo, 1980; Christensen & Perl, processamento somatossensitivo actuam simul-
1970), enquanto uma porção das células noci- taneamente na percepção táctil e dolorosa, uma
ceptivas talâmicas e corticais possuem campos vez que a manipulação de uma das duas per-
receptivos mais extensos que os neurónios não cepções altera a dinâmica populacional evoca-
nociceptivos (Chung, et al., 1986; Lamour, et al. da pela outra (Knecht, et al., 1998; Sörös, et al.
1983). Por outro lado, enquanto à medula espi- 2001; Flor, et al., 1995; Katz, et al., 1999; Gre-
nal os sinais periféricos chegam descompostos enspan & Winfield, 1992).
por patamares de excitabilidade cutânea e se Em animais sujeitos a modelos experimentais
distribuem por regiões espinais bem definidas de dor crónica neuropática (constrição do ner-
(Cervero & Iggo, 1980; Brown, 1981), as projec- vo ciático – Bennett & Xie, 1988) de origem
ções supraspinais são bastante mais conver- periférica, observaram-se profundas alterações
gentes: às mesmas regiões talâmicas chegam nas propriedades de resposta de neurónios
axónios oriundos simultaneamente de popula- corticais (Guilbaud, et al., 1992), talâmicos
ções das lâminas superficiais e das lâminas (Guilbaud, et al., 1990) e espinais (Laird &
profundas da medula (Apkarian & Hodge 1989; Bennett, 1993; Palecek, et al., 1992). Essas
Carstens & Trevino, 1978; Giesler, et al., 1979). alterações incluem modificações profundas na
Este ponto sugere que o processamento senso- localização e extensão dos campos receptivos,
rial local efectuado pelas populações espinais aumento da actividade espontânea, e o
será bastante distinto do realizado pelas popu- aparecimento de respostas retardadas que se
lações do tálamo lateral dada a grande diferen- prolongam muito para além do termo do
ça existente entre os tipos de sinais disponibi- estímulo periférico (Laird & Bennett, 1993;
lizados a cada região e atendendo também à Palecek, et al., 1992; Guilbaud, et al., 1992;
enorme integração talâmica da informação tác- Guilbaud, et al., 1990). Outros autores (Biella, et al.,
til (Jones, 1985). A maior uniformidade morfoló- 1997) verificaram que este modelo neuropático
gica dos neurónios de vários núcleos do tálamo provocava uma dessincronização nas redes
lateral (Shi & Apkarian, 1995) estará decerto funcionais espinais: o registo simultâneo de
relacionada com esta também uniforme distri- dois neurónios situados numa mesma coluna
buição da informação espinal ascendente. Pelo dorsoventral (um neurónio NS nas lâminas su-
contrário, a heterogeneidade morfológica entre perficiais e um neurónio WDR nas lâminas pro-
as populações laminares da medula espinal fundas) demonstra que um estímulo nociceptivo
estará adaptada à distribuição dos aferentes induz uma actividade síncrona entre os dois
primários por territórios bem definidos, e sugere neurónios; essa correlação temporal funcional
que aí se realiza um tipo de processamento desaparece em animais com constrição crónica
local diferente do talâmico. do nervo ciático.
A semelhança encontrada na plasticidade Pouco mais se sabe sobre as alterações das
neuronial individual é, pois, difícil de conciliar redes populacionais – espinal ou supraespinal –
com os dados funcionais básicos. Os resulta- em situações dolorosas agudas e/ou persisten-
dos experimentais aqui apresentados mostram tes. Apkarian (Apkarian, et al., 2000) verificou
que as diferenças funcionais entre a plasticida- que populações de neurónios vizinhos no com-
de da medula espinal e do tálamo lateral se plexo ventrobasal do tálamo alteram a sua cor-
encontram preferencialmente não nas respos- relação temporal populacional consoante a na-
tas individuais, mas na plasticidade funcional tureza nociceptiva ou nãonociceptiva do
das populações de neurónios vizinhos. estímulo periférico aplicado, e que as correla-
Vários dados experimentais obtidos fora da ções temporais se alteram de forma oposta
medula espinal, ou mesmo noutros sistemas conforme as populações observadas são cons-
sensoriais, mostram que por trás das alterações tituídas apenas por neurónios LT ou por neuró-
do limiar de excitabilidade das células ou da nios LT e WDR. Observou ainda que a alteração
expansão dos seus campos receptivos há mais da conectividade funcional entre os neurónios
do que apenas uma imprópria amplificação pro- vizinhos estava correlacionada com a distância
vocada pela inflamação ou deaferentação peri- entre eles: durante uma estimulação nocicepti-
férica (Weinberger, 1995; Rauschecker, 1999; va os neurónios próximos entre si aumentavam
Fox, et al., 2000). Esses dados pertencem a positivamente a sua correlação funcional, mas
três grupos fundamentais de observações: a os mais afastados (distâncias superiores a 100
plasticidade dos campos receptivos somatos- µm) passavam a ter correlação negativa de
sensitivos é alterada imediatamente após uma actividade.
deaferentação, numa escala temporal Os resultados agora apresentados mostram
incompatível com o estabelecimento de novas claramente que as alterações na excitabilidade
ligações sinápticas (Faggin, et al., 1997; Ras- de neurónios somatossensitivos vizinhos são
DOR musson, et al., 1993); a existência de potenciais diferentes de célula para célula, tanto nas po-
pulações talâmicas como nas espinais. Os re-
sinápticos subliminares em respostas a estimu-
26 lação cutânea feita fora do campo receptivo sultados obtidos nas duas regiões sugerem que
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