Page 17 Volume 10, Número 4, 2002
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V. Galhardo: Codificação populacional da dor: O papel das redes neuronais espinais e talâmicas na génese e manutenção de dor persistente
alterada após uma lesão periférica que ção (toque, pressão não dolorosa e pressão
conduz a hiperalgesia? dolorosa), os neurónios somatossensitivos re-
– Qual é a escala temporal do aparecimento gistados foram classificados como sendo de
e estabelecimento dessas alterações funcio- baixo limiar (nãonociceptivos; respondem a
nais; podemos de alguma forma entender estímulos inócuos, adaptam à pressão e res-
os mecanismos subjacentes à plasticidade pondem descontinuadamente a estímulos dolo-
funcional a partir das propriedades espacio- rosos), de largoespectro dinâmico (respondem
temporais que caracterizam o desenvolvi- a estimulação inócua e nóxica de forma pro-
mento das alterações? porcional à intensidade do estímulo), ou de
Vou agora relatar separadamente as experi- nociceptivosespecíficos (respondem apenas
ências electrofisiológicas começando por à estimulação dolorosa). As respostas à es-
apresentar primeiro os principais resultados timulação foram validadas por comparação
das experiências sobre a plasticidade das estatística da frequência de actividade ins-
populações talâmicas, e depois os das popu- tantânea (número de potenciais de acção
lações espinais. No final recolocarei as per- por segundo) antes e durante a aplicação do
guntas agora enunciadas e discutirei de que estímulo cutâneo (considerada como positiva
forma as observações aqui apresentadas nos a resposta que ultrapassasse um valor
permitem retirar algumas conclusões e avan- superior ao dobro da variância da frequência
çar algumas interessantes hipóteses de tra- observada no período de 30 s anterior ao
balho futuro. início do período de estimulação; desvio da
distribuição normal validado por teste t de
Resultados Student e teste Kolmogorov-Smirnov). Os
resultados são apresentados como média ±
erro padrão (SEM).
Plasticidade das populações talâmicas Antes de implantar os eléctrodos e iniciar a
Ratos machos foram anestesiados, coloca- pesquisa electrofisiológica da região talâmica
dos no aparelho de estereotaxia e uma crani- de representação dos dedos da pata posterior
otomia contralateral foi realizada sobre a re- esquerda, a indução da lesão periférica pelo
gião somatotópica de representação da pata modelo da Constrição Parcial do Nervo Ciático
posterior esquerda. A actividade neuronal foi (partial sciatic ligation – PSL) Seltzer, et al.,
registada extracelularmente com multieléctro- 1990) foi preparada. Este modelo foi escolhido
dos constituídos por 4 filamentos independen- por ser bastante semelhante nos seus sinto-
tes de tungsténio (impedância: 2-5 MOhm) mas de hiperalgesia ao modelo CCI (Bennett,
dispostos em quadrado com distâncias intere- et al., 1981) usado em trabalhos anteriores
léctrodos de 150 µm. Este valor para o espa- dedicados à plasticidade dos neurónios talâ-
çamento intereléctrodos foi aferido de forma a micos (Guilbaud, et al., 1990; Guilbaud & Kay-
maximizar o número de neurónios vizinhos ser, 1987). Em relação ao modelo CCI, o mo-
obtidos em cada experiência. Os sinais da delo PSL tem a enorme vantagem dos animais
actividade multineuronal foram amplificados e apresentarem claros sintomas de hiperalgesia
digitalizados em tempo real. A separação e e alodínia no período de 60 min após a lesão
identificação de neurónios independentes a (contra os vários dias necessários no modelo
partir dos registos multiunit foi feita computaci- CCI). O modelo PSL consiste na constrição
onalmente, tendo por base o perfil individual apenas da porção dorsal do nervo ciático ao
dos potenciais de acção correspondentes a nível femural. Para podermos ter registos das
cada neurónio. A resposta dos neurónios aos respostas fisiológicas populacionais anteriores
estímulos aplicados foi avaliada por histogra- e posteriores à lesão, o nervo ciático foi ex-
mas periestímulo, e a conectividade funcional posto e atravessado por uma linha de sutura
entre cada par de neurónios registados simul- cirúrgica (7,0 nilon) antes sequer do animal
taneamente foi avaliada pela correlação-cruza- ser colocado no aparelho de estereotaxia. A
da dos tempos de ocorrência dos respectivos linha foi preparada com um nó corrediço dei-
potenciais de acção. xado frouxo, e as pontas da linha exterioriza-
Cada período de estimulação consistiu em 60 das pela incisão cutânea. Após a conclusão
s de toques cutâneos com pincel fino dos registos fisiológicos de controlo, as pontas
(estimulação mecânica não dolorosa), 30 s de exteriorizadas da linha foram puxadas de for-
intervalo, 30 segundos de pressão não dolorosa ma não invasiva e assim a porção dorsal do
com pinça cirúrgica, 30 s de intervalo, e 30 s nervo ciático incluída dentro do nó corrediço
de pressão dolorosa com pinça cirúrgica. Esta foi comprimida; após a conclusão da experiên-
sequência de estimulação foi repetida cada 20 cia foi verificado em todos os animais se a
min, três vezes antes da constrição do nervo constrição da porção dorsal do nervo tinha
ciático ou da injecção subcutânea de formol sido completada com sucesso.
(registos fisiológicos de controlo), e continuada Foram considerados para análise apenas os DOR
por um período variável nunca inferior a 3 h. Pelas neurónios que apresentaram estabilidade nas
respectivas respostas aos três tipos de estimula- suas propriedades de resposta durante o perío- 21