Page 37 Volume 16 - N.1 - 2008
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Dor (2008) 1
Registos/formas de documentação de dor medida pelos avaliadores e a referida
Todos os dados obtidos devem ser rigorosa- pelo doente são causas importantes de terapêu-
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mente registados em folhas apropriadas, fáceis tica antiálgica inadequada . É essencial aceitar
de ler e interpretar e rapidamente acessíveis. A que o doente é o melhor avaliador da sua dor.
elaboração dos formulários constitui um desafio, O pessoal de saúde pode ter a sua própria opi-
pois convém que sirvam também para informa- nião, mas a sua prática profissional não deve
tização e comparar dados objectivamente, per- fundamentar-se nela. Sabemos quando estamos
mitir estudos e avaliações num âmbito de con- a ser afectados pelos nossos preconceitos, pe-
trolo de qualidade. Existem publicados vários las nossas interpretações por vezes dúbias?
modelos que podem ser adaptados. Mas como Eis alguns factores que frequentemente não
cumprirão esses objectivos se forem mal preen- consciencializamos, mas influenciam a nossa
chidos? É fácil esquecer ou negligenciar o seu prática clínica:
correcto preenchimento, inviabilizando assim es- – Aparência física: médicos e enfermeiros in-
tudos comparativos. Mesmo com boa vontade, terpretam como tendo menos dor os doen-
podem existir erros de concepção das folhas de tes mais atraentes e os que não a exprimem
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registo – perguntas pouco claras, por exemplo, fisicamente (expressão facial) .
ou dificuldades em interpretar ou em registar – Sexo: diversos estudos compararam as op-
sem adulterar o que o doente quer dizer. ções de medicação e concluíram que há
O tempo limitado para avaliação de um núme- tendência para submedicar o género
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ro crescente de doentes ao longo da semana, feminino .
associado à dificuldade em definir, por vezes, o – O sexo do avaliador também interfere na
momento da alta da avaliação analgésica com- avaliação. Por exemplo, os doentes do sexo
plicam também o trabalho de recolha de dados. masculino tendem a referir menos dor fren-
A formação, treino e motivação dos avaliadores te a uma avaliadora do que quando o ava-
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são cruciais para a obtenção de bons resulta- liador é um homem .
dos, assim como a reavaliação sistemática de – Idade: muitos idosos e crianças de tenra ida-
todo o processo. de são submedicados, por receio de compli-
cações ou por se pensar que não têm tanta
Outros problemas e desafios na avaliação da dor dor. As queixas de dor intensa num idoso
podem até ser mais facilmente aceites do que
Subjectividade – das perguntas, das respostas num jovem, mas é provável que o idoso rece-
e sua interpretação ba menor dose analgésica do que este .
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A subjectividade pode ser relativa ao doente e/ – Raça/cultura: num estudo de 454 doentes
ou a quem formula a pergunta ou interpreta a que receberam opióides por PCA ev. no pós-
resposta. As experiências prévias são determi- operatório, verificou-se ser diferente a dose
nantes de medos e comportamentos condiciona- de opióide prescrita a asiáticos, negros, his-
dos que modelam a intensidade da dor. Como pânicos e brancos, prescrevendo-se mais
sabemos se o doente que grita de dor tem mesmo analgésicos aos negros e aos brancos e me-
toda a dor que afirma? O oposto também ocorre: nos aos hispânicos. Não se verificaram no
há quem manifeste uma grande tolerância à dor, entanto diferenças entre estes grupos na
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por razões patológicas, culturais ou outras. quantidade de opióide autoadministrada .
Por vezes, o doente não teve oportunidade de – Experiência álgica do avaliador: o pessoal
se queixar ou «não quis incomodar». É impor- de saúde que já teve dores fortes tende a
tante ser pró-activo e perguntar-lhe se tem dor, quantificar maior nível de dor nos doentes,
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em vez de esperar que se queixe. do que o que não teve essa experiência .
A subjectividade também intervém na quanti- – Estilo de vida: as opções de analgesia po-
ficação que fazemos: «Tem muita ou pouca dor?». dem variar com o tipo de vida do doente,
Daí a conveniência do uso de escalas. considerado mais ou menos irresponsável.
Num estudo sobre a actuação de enfermei-
Ausência de avaliação/avaliação insuficiente ros, estes afirmavam que não queriam que
os seus valores pessoais interferissem na
ou deturpada pelo clínico avaliador ou pelo próprio qualidade dos seus cuidados, mas decla-
doente ravam que os outros colegas não tratavam
Conhecimentos inadequados: quando o médi- todos os doentes do mesmo modo. Diziam,
co não está actualizado sobre os princípios de no entanto, que não gostavam de certos
terapêutica antiálgica, pode atribuir ao doente a doentes e que precisavam de orientação
culpa da falência do tratamento prescrito. Por ex., sobre como prevenir que esse facto interfe-
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se este refere dor duas horas após a medicação, risse no seu modo de actuação .
pode precisar que se reveja a analgesia, em vez – Não aceitar a intensidade de dor referida
de ser desconsiderado por ser «piegas». pelo doente: as respostas comportamentais
DOR dos revelam que a ausência ou insuficiência de do doente interferem significativamente nas
A dor é facilmente subestimada: muitos estu-
avaliações e decisões terapêuticas. Muitos
36 avaliação e as divergências entre a intensidade acham que os doentes exageram o seu nível