Page 38 Volume 16 - N.1 - 2008
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C. Mendes: Problemática da Avaliação Regular da Dor Aguda no Pós-Operatório
de dor. Vários estudos afirmam que médicos A falta de expressão não significa necessaria-
e enfermeiros subavaliam a dor em quase mente ausência de dor. Mesmo doentes com dor
50% dos casos e, mesmo usando escalas, intensa podem adaptar as suas respostas fisiológi-
alguns registam um número inferior ao referi- cas e comportamentais, havendo períodos nos
do pelo doente 22,26,27 . Ora, subestimar a dor quais os sinais de dor são mínimos ou ausentes.
contribui para menor eficácia do tratamento. Num indivíduo relativamente saudável, o corpo ten-
Não tratar a dor quando esta é referida: por de para a homeostase, logo, indicadores fisiológi-
vezes, os clínicos avaliam correctamente a dor cos como a hipertensão e a taquicardia podem
mas guiam a terapêutica pelo que eles próprios desaparecer apesar de a dor se manter intensa. Se
pensam e não pelas afirmações do doente. Bar- sofrer de hipotiroidismo ou desidratação, patologias
reiras institucionais também contribuem para o frequentemente associadas a hipotensão arterial,
subtratamento, como a impossibilidade do en- isso terá muito mais impacto sobre os sinais vitais
fermeiro titular doses ou administrar analgesia do que a dor em si. O sono ou a sedação podem
de resgate. ser confundidos com a ausência de dor, mas seda-
Informação do doente: falar com os doentes no ção não é o mesmo que analgesia e um doente
período pré-operatório sobre a terapêutica a que com dor intensa também pode adormecer. A au-
irão ser sujeitos e a sua forma de avaliação é im- sência de sinais objectivos pode levar um avaliador
portante, pois reduz a ansiedade e melhora a co- sem experiência a afirmar que o doente «não pa-
laboração destes com os profissionais de saúde. rece ter dor». Mas os sinais fisiológicos e compor-
Não há um limiar de dor uniforme: estímulos com- tamentais não são sensíveis nem específicos da dor
paráveis não originam a mesma dor em pessoas e devemos usá-los apenas quando o paciente é ou
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diferentes e nem sequer no mesmo doente, em está incapaz de comunicar .
circunstâncias diversas. O conhecimento que os doentes têm das ex-
Também a tolerância à dor varia de doente pectativas do pessoal de saúde sobre os com-
para doente, dependendo de factores como a portamentos de dor também influencia o proces-
hereditariedade, estado físico, personalidade e so. Estudos sobre PCA revelaram que os doentes
experiências prévias. Pessoas com dor crónica preferiam esse método por ser melhor do que
podem ser mais sensíveis à dor e a outros estí- esperar pelos enfermeiros, mas também porque
mulos . Identificar o nível de tolerância é, pois, isso os protegia de terem de lhes mostrar sofri-
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importante para prover uma analgesia eficaz. mento . Aparentemente, os doentes estão aten-
Doentes estóicos podem minimizar ou negar a tos aos comportamentos que se esperam deles,
dor e recusar analgésicos. Uma resposta estóica é ou aprendem-nos rapidamente, e mudam na pre-
valorizada em muitas sociedades e muitos clínicos sença do avaliador ou em determinadas circuns-
não gostam de doentes com baixa tolerância à dor, tâncias. Por vezes ficam indecisos, por não sa-
mas isso não deve ser impeditivo de a tratar. berem que atitude adoptar para convencer um
Quando a etiologia da dor é desconhecida ou médico ou enfermeiro desconhecido, precisa-
parece insuficiente para a intensidade referida, mente porque as expectativas destes diferem, em
por vezes atribui-se isso ao estado emocional do relação ao doente e seu comportamento.
doente e a terapêutica analgésica é negligencia- Doentes esclarecidos vs doentes com adição:
da. Ora, o facto de não encontrarmos uma causa se um diabético nos disser que precisa de x
para a dor não faz que ela deixe de existir ou seja unidades de insulina de tantas em tantas horas,
de origem psicogénica. Há ainda muito que não pensamos que é uma pessoa esclarecida sobre
sabemos. Por exemplo, a dor gera frequentemen- a sua doença. Mas se um doente, do mesmo
te ansiedade, mas não é certo que a ansiedade modo, nos disser que precisa de opióides, so-
agrave a dor. A dor é uma experiência sensorial bretudo se for um ex-toxicodependente, muitos
e emocional desagradável, portanto a sua avalia- médicos pensarão logo em comportamentos de
ção deve incidir na combinação de factores físi- procura de droga. Mas poderá ser apenas o
cos e psicológicos e ambos devem servir para caso de estarmos a lidar com uma pessoa infor-
orientar a terapêutica. Devemos perguntar-nos: mada sobre a sua dor, que conhece a terapêu-
«Porque é tão difícil acreditar que este doente tica que melhor resultou anteriormente e procura
tem dor?». Até que a relação entre dor, ansieda- alívio. Devemos sempre questionar-nos: «Que
de, depressão e outros estados emocionais seja mais pode este comportamento querer dizer?
esclarecida, o melhor é assumir que a dor causa Será que este doente tem dor?».
estas respostas emocionais e não o contrário.
Por vezes interpretamos erroneamente certos Doente que nega dor ou recusa analgesia/
comportamentos ou a ausência deles. Devemos resistência a um novo plano terapêutico
considerar todas as possíveis razões para qual- Quando alguém nega ter dor, os médicos de-
quer discrepância entre a dor referida pelo do- vem aceitar isso, pois o que o doente diz é o indi-
ente e o seu comportamento. Isso pode ser um cador mais fiável de dor. No entanto, se o compor-
reflexo de estratégias para lidar com a dor. Por tamento deste, a sua patologia ou outros achados
exemplo, alguns doentes tentam não pensar na sugerem a existência de dor, devemos explorar DOR
dor usando técnicas de relaxamento, vendo te- essa aparente contradição com o doente e família.
levisão, falando ou até rindo com amigos 4,29 . A dor tem consequências físicas e psicológicas, 37