Page 42 Volume 16 - N.1 - 2008
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M. Bernardino: Avaliação e Tratamento da Dor Aguda do Pós-Operatório: Novos Desafios
encontrar uma ferramenta que possua as carac- No entanto, a EVA é mais sensível do que a es-
terísticas ideais: simples de aplicar, fácil de cala de categorias: foram demonstradas altera-
compreender, aceitável clinicamente, reproduzí- ções na EVA, sem haver alterações na escala de
vel, válida, sensível e fiável. No entanto, a dor categorias. Por outro lado, a escala numérica de-
possui uma natureza multidimensional que im- monstrou sensibilidade semelhante à EVA. A es-
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possibilita a sua avaliação objectiva com apenas colha entre uma e outra depende do utilizador .
um teste. Dado ser uma experiência subjectiva Existe ainda um outro tipo de escala para ava-
e pessoal, a melhor avaliação é sem dúvida a liar a intensidade da dor, a escala de faces, com
descrição do próprio doente, tornando-se a au- grandes vantagens em determinadas populações,
to-avaliação o gold standard desta prática. nomeadamente em crianças e em pessoas com
Esta auto-avaliação pode ser classificada de défices cognitivos. A escala de faces é composta
acordo com o número de dimensões da dor que por quatro ou cinco faces que mostram diferentes
são medidas, ou seja, unidimensional ou multi- expressões e pede-se ao doente que aponte a
dimensional. Estas medidas foram desenvolvi- mais apropriada. É muito simples de utilizar .
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das para a avaliação de dor crónica, mas po- No entanto, e apesar destas ferramentas, a
dem aplicar-se à avaliação de dor aguda, tendo avaliação da dor não deixa de ser um processo
em consideração a importância relativa de cada intensivo, complexo e desafiador, que nos últimos
dimensão, de acordo com a etiologia, tipo de anos tem procurado uma avaliação mais global
dor e prioridade de tratamento. que abranja a dor em todas as suas vertentes.
Na dor aguda pós-cirúrgica, o método de ava- A avaliação da dor em movimento, com utili-
liação que mais se aplica é a medida unidimen- zação de uma escala não só com o doente em
sional que avalia a intensidade da dor. Esta é, repouso, mas inquirindo também sobre o seu
aliás, a mais utilizada na prática clínica . valor com o levante para cadeirão, com a deam-
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Dentro destas medidas, podemos utilizar es- bulação, com os movimentos respiratórios, com
calas de: categorias, numérica, visual analógica a tosse deve, hoje em dia, fazer parte da rotina
ou de faces. diária de uma UDA.
A escala de categorias, utilizando quatro ter- Com a implementação destas unidades, no-
mos descritivos (nenhuma, ligeira, moderada, vas perspectivas se abrem. A educação e infor-
grave) é rápida e simples de usar, necessita de mação dos doentes, em cirurgia electiva, sobre
pouco treino para a sua implementação, é mais o tratamento da DPO, com treino pré-operatório
fácil de ser compreendida do que a escala nu- na utilização de escalas de avaliação, o objec-
mérica ou a EVA, mas pode simplificar demasia- tivo dessa avaliação e a elucidação e ensino
do, não permitindo que o doente escolha a pa- sobre diferentes técnicas analgésicas (PCA, anal-
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lavra mais apropriada . gesia epidural) são uma forma de melhorar os
A escala numérica utiliza uma numeração de cuidados perioperatórios por parte dos profissio-
0 a 10, sendo 0 ausência de dor e 10 a pior dor nais, bem como de envolver o doente no seu
imaginável. Não necessita de treino especial, é tratamento, explicando-lhe o seu papel e atri-
rápida e fácil de usar, é consistente, reproduzível buindo-lhe responsabilidade.
e correlaciona-se bem com a EVA. No entanto, O envolvimento de todos os profissionais torna-
pode não ser necessariamente linear, já que um se extremamente importante. A avaliação regular
aumento de 7 para 8 pode significar, subjectiva- por parte dos enfermeiros, com uma frequência
mente, um aumento maior do que uma mudança adequada ao tipo de cirurgia, gravidade da dor,
de 1 para 22. à analgesia prescrita e aos riscos associados
A EVA é constituída por uma linha de 10 cm, permitem uma actuação clínica mais correcta e
com fronteiras nas duas extremidades. Pede-se mais atempada. A discussão com outras espe-
ao doente que marque nesta linha um ponto cialidades que participam no tratamento e recu-
apropriado para a intensidade da sua dor e o peração do doente assume também relevância.
resultado é obtido medindo a distância a partir O envolvimento dos fisiatras e fisioterapeutas, nu-
da extremidade esquerda. Tal como na escala tricionistas, terapeutas da fala e outros profissio-
numérica, os termos usados nestas extremida- nais na problemática da avaliação e tratamento
des podem influenciar a classificação da dor; da dor aguda pós-operatória vão melhorar a qua-
pode obter-se uma classificação de EVA mais lidade deste tratamento, permitindo uma recupe-
elevada se se utilizar dor intensa em vez de pior ração mais rápida das actividades diárias .
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dor imaginável. A EVA é rápida e relativamente
simples de utilizar para a maioria dos doentes, Tratamento
evita termos descritivos imprecisos e pode ser O tratamento da dor pós-operatória tem como
utilizada em crianças com mais de cinco anos. objectivos: controlar a dor, prevenir e tratar efei-
Em comparação com as outras duas escalas, tos secundários relacionados com a terapêutica
é mais exigente e requer capacidades cogniti- e melhorar os resultados finais, com rápido re-
vas mais elaboradas (até 26% dos doentes po- torno à vida social e actividades diárias.
dem não conseguir responder) . Na sequência de múltiplos estudos sobre os DOR
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Na avaliação das três escalas, há uma forte efeitos da administração de diferentes fármacos em
correlação entre a escala de categorias e a EVA. timings diferentes (pré, intra ou pós-operatório), 41
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