Page 28 Volume 18 - N.1 - 2010
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A. Melo Botelho: Metadona nas Unidades de Dor
(3), dor neuropática (3) e comodidade posológi- A tipologia da dor mais observada é a neuro-
ca (2). Surgiram, ainda, como critério apontado pática, factor este que, certamente, contribuiu
no âmbito da alínea g, dor aguda perioperatória, em alguns casos para a opção pelo uso da me-
ser toxicodependente activo, anorexia grave tadona, dado o seu perfil de actuação.
concomitante e dor moderada. Na totalidade dos casos o motivo de utiliza-
ção da metadona foi a rotação de opióides,
não constituindo uma primeira escolha; esta
Conclusões constatação não diminui o valor indiscutível da
Não há qualquer experiência, até 2006, em metadona no controlo da dor, como de resto
analgesia com metadona em 37 das 50 unida- se observou pelos resultados terapêuticos ob-
des de dor entrevistadas (74%). tidos.
Nas unidades de dor do SNS visitadas, e até Os responsáveis de 46 das 50 unidades de dor
2006, num universo de 183 médicos especialis- visitadas afirmaram sentir necessidade de usar
tas, só cerca de 17% estão familiarizados com metadona como analgésico; trata-se de um nú-
as regras de prescrição de metadona como mero expressivo que parece sustentar, indubita-
analgésico. velmente, a utilidade da metadona, e que de-
A experiência com metadona no controlo da nuncia, ao mesmo tempo, uma lacuna do SNS.
dor nas unidades de dor onde foram realizadas Deste universo de 46 médicos, apenas cinco
as entrevistas totalizava 42 casos, com a seguin- prevêem necessidade de uso diário, 10 uso fre-
te distribuição: dor aguda (23), predominante- quente e 31 esporádico. Somente em três das
mente peri-operatória exclusivamente em toxico- 50 unidades de dor os responsáveis afirmaram
dependentes a fazer tratamento de desintoxicação não sentir necessidade nenhuma de dispor de
com metadona e dor crónica (19), a maioria dos metadona para o controlo da dor, e um médico
quais doentes oncológicos, neste grupo, somen- respondeu não sabe/não responde.
te 3, de 19, se encontravam a fazer tratamento O motivo mais seleccionado para a necessi-
de desintoxicação. Foi obtido controlo satisfató- dade de utilização de metadona foi a rotação de
rio da dor em 100% dos casos, os efeitos secun- opióides, quer por dor refractária, quer por toxi-
dários foram descritos como os «esperados», cidade inaceitável, o que está conforme com as
«aceitáveis» e de «fácil manejo» (sic) e não recomendações publicadas. A presença de an-
houve registo de nenhuma complicação fatal de- tecedentes de toxicofilia, terceira opção mais
corrente do seu uso. seleccionada, prende-se com a utilização opor-
A circunstância mais vezes seleccionada, pe- tunística da metadona como analgésico em do-
los médicos responsáveis das unidades de dor entes já medicados com metadona. A presença
que utilizam metadona, para a sua prescrição de insuficiência renal constitui critério de even-
como analgésico, foi a presença de anteceden- tual utilização para cerca de um quarto dos mé-
tes de toxicofilia, seguida, ex aequo necessida- dicos, número inferior ao esperado, dada a van-
de de rotação de opióides por toxicidade ou dor tagem da metadona ser predominantemente
refractária. excretada por via intestinal e não possuir meta-
Onze das 13 unidades de dor obtinham meta- bolitos activos. A opção g (outras) foi escolhida
dona a partir dos CAT, e duas directamente a por 10 médicos, e inclui, entre outros, argumen-
partir da farmácia hospitalar; foi apontada, pela tos como baixo preço (3), dor neuropática (3) e
maioria dos médicos entrevistados, grande difi- comodidade posológica (2).
culdade na sua obtenção, com referência a res- Portugal tem recursos económicos limitados
posta negativa, por parte do Infarmed, a pedi- na área das despesas de saúde e, de acordo
dos de autorização. Não foram identificados com a bibliografia consultada, existe dor refra-
pelos médicos entrevistados quaisquer obstácu- tária à morfina, o que obriga à disponibilização
los à utilização de metadona no controlo da dor de, pelo menos, três analgésicos opióides fortes
por parte dos doentes e seus familiares. alternativos. Serve o presente estudo para veri-
Nos 19 casos de dor crónica com necessida- ficar que, mesmo em condições adversas, de
de de recurso a metadona, a distribuição obser- difícil acessibilidade e divulgação insuficiente, a
vada por sexo foi de 7 ♂:12 ♀; dada a pequena metadona terá sido utilizada em treze unidades
dimensão dos grupos não se reveste de grande de dor com sucesso no controlo da dor crónica,
significado a diferença observada entre os se- moderada-severa, em 19 casos, sempre em
xos. A média de idades registada é de 50,6 anos, contexto de rotação de opióides, com efeitos
entre 37-80 anos; este espectro amplo permite, secundários negligenciáveis, sem qualquer obs-
eventualmente, reflectir sobre a transversalidade táculo por parte dos doentes e familiares, e que
geracional do fenómeno da dor moderada-seve- 92% dos médicos entrevistados, neste estudo,
ra com necessidade de recurso a metadona. O reconheceram sentir necessidade de utilizar
predomínio de doença oncológica observado metadona como analgésico nas unidades de
está conforme a previsão encontrada na litera- dor do SNS português. Assim sendo, não se
tura da existência de doentes oncológicos com trata de introduzir a metadona no formulário na- DOR
doença avançada com dor refractária a analgé- cional de medicamentos, mas sim de usar um
sicos opióides convencionais. fármaco que já está licenciado em Portugal para 27