Page 37 Volume 18 - N.2 - 2010
P. 37



Dor (2010) 18
o desenho e implementação pouco cuidada ou inglês quantitative reverse-transcription polyme-
até não apropriada dos ensaios clínicos, são rase chain reaction, também denominado Real-
discutidos recentemente o verdadeiro valor dos Time PCR) para quantificar a libertação e/ou
modelos animais mais populares usados na in- expressão (proteica ou do seu ADN ou ARNm)
vestigação em dor, havendo quem defenda um de neurotransmissores ou receptores, ou para
aumento de investigação experimental usando verificar a activação de genes de expressão
modelos humanos , principalmente em fases imediata (como o c-Fos, considerado um marca-
2,4
precoces de estudos clínicos com o objectivo de dor da activação de neurónios nociceptivos na
desenvolver ou testar novos tratamentos . Como medula espinal) estão entre as técnicas mais
2
argumento vem o facto de a eficácia do efeito amplamente divulgadas. Mas também a aborda-
analgésico observado em humanos quase sem- gem intratecal da medula espinal, ou de regiões
pre se verificar quando o mesmo composto é encefálicas específicas por métodos estereotá-
também usado em modelos animais, ou seja a xicos, para lesão ou para manipulação farmaco-
translação reversa, «from bed side to bench», lógica directa ou por terapia génica, são outros
tem sido quase sempre bem sucedida. dos métodos comummente usados na investiga-
Na investigação académica, não financiada ção básica em Dor. Mais recentemente, a neu-
por companhias farmacêuticas multimilionárias roimagiologia em pequenos animais é também
e interessadas em lançar novos medicamentos usada, o que tem permitido uma comparação
para fazer face à crescente concorrência, a in- mais directa com estudos de imagiologia em hu-
teracção «básicos»-clínicos é também desejável. manos e a análise das regiões encefálicas envol-
Mas só é possível se houver um interesse de parte vidas. Apesar de na sua maioria não directamen-
a parte para que ela aconteça. E esse interesse te aplicáveis na clínica, as conclusões obtidas
passa inevitavelmente pela leitura de artigos com estes tipos de metodologias têm permitido
científicos de parte a parte. Como deve um clí- retirar dados importantes e essenciais na com-
nico ler e interpretar um artigo de investigação preensão dos mecanismos patofisiológicos as-
básica? Como deve/pode extrapolar para a prá- sociados à dor. A identificação de biomarcado-
tica clínica os ensinamentos dos «básicos»? Te- res válidos, desejada pela indústria farmacêutica
nho a noção, acho que certa, de que a maioria na sua política de implementação de medicina
dos clínicos «puros», e com esta designação de translação em Dor, por exemplo, pode bene-
refiro-me àqueles que exercem estritamente clí- ficiar grandemente dos dados fornecidos por
nica e não fazem (ou alguma vez fizeram) qual- este tipo de abordagens metodológicas. Para
quer tipo de estudo em laboratório, possam ter além disso, o desenvolvimento de ligandos diri-
alguma dificuldade em ler alguns artigos e em gidos para potenciar ou bloquear a acção de
retirar algum «sumo» que considerem importan- determinados receptores que se sabem estar
te ou válido. Penso que isto se deve essencial- envolvidos nos mecanismos da dor é muitas ve-
mente a dois factores: zes derivado de dados obtidos com técnicas
1. À perda de contacto com conceitos muito que permitem analisar se a expressão de deter-
específicos relativos a mecanismos celulares minados neurotransmissores se encontra altera-
e moléculas intervenientes (com os quais da. Assim, a investigação básica em Dor, por
contactaram nos anos iniciais do curso e recurso às mais variadas metodologias, tem ori-
podem estar esquecidos, e/ou sobre os ginado alguns sucessos significativos reflectidos
quais houve entretanto um avanço para um no aparecimento de teorias relativas aos meca-
maior conhecimento). nismos do fenómeno da dor tais como a teoria do
2. À dificuldade na compreensão de algumas controlo do portão (Gate Control Theory), o con-
abordagens metodológicas descritas na ceito de neuroplasticidade, e a compreensão dos
maioria dos artigos de investigação básica, mecanismos celulares e moleculares de sensiti-
e daí na análise dos resultados. zação periférica e central. A nível clínico, estes
Relativamente ao primeiro «problema», uma conhecimentos foram traduzidos na implemen-
actualização de alguns conceitos essenciais po- tação de procedimentos terapêuticos multimodais
derá ser em muitos casos necessária para estu- para alívio da dor, na provisão de analgesia pre-
dar na totalidade o artigo, mas às vezes, a lei- coce ou preventiva (pré-operatória), ou no trata-
1
tura atenta da secção da discussão, das principais mento extensivo da dor pós-operatória . Com base
conclusões e ilações do estudo, poderá elucidar na investigação pré-clínica foram incrementados
e ser mais proveitosa do que tentar perceber na novos sistemas e vias de administração de fár-
íntegra e detalhadamente todo o estudo. Meto- macos que permitiram uma melhor adaptação
dologicamente a questão é mais ampla. Quase ao caso particular de um doente, bem como
todos estes estudos têm como base um modelo uma melhoria do tratamento da dor. São exem-
animal, onde incidem diversos tipos de aborda- plos as vias transdérmicas, transmucosas, tópi-
gens metodológicas de acordo com o objectivo cas, intranasais e neuroaxiais (intratecal/epidu-
do trabalho publicado. O recurso a electrofisio- ral) para administração de analgésicos opióides,
logia, com o intuito de analisar a actividade de anestésicos locais, e fármacos anti-inflamatórios
neurónios individualizados ou redes neuronais, não-esteróides (AINE); a analgesia controlada
DOR assim como o uso de microdiálise, imuno-histo- pelo doente (patient controlled analgesia ou PCA);
e o uso de analgésicos opióides e não-opiói-
química, ELISA (do inglês enzyme linked immu-
36 nosorbent assay), Western-blot ou qRT-PCR (do des de libertação prolongada . O lançamento do
1
   32   33   34   35   36   37   38   39   40   41