Page 38 Volume 18 - N.2 - 2010
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F.L. Moreira Neto: Medicina de Translação em Dor: o Que Nos Ensinam os Modelos Animais?
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Celebrex e Vioxx , dois AINE inibidores da ci- fenótipo do modelo recapitula as manifesta-
cloxigenase-2 para o caso da dor artrítica, e da ções clínicas da doença de interesse, no
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gabapentina (Neurontin ) para a dor neuropática, sentido de se observarem um maior número
estão incluídos nesses sucessos de translação de sintomas e sinais semelhantes ao obser-
do conhecimento básico para a clínica . vado na condição humana.
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Apesar das metodologias citadas contribuírem 2. Construct validity (validade de construção
significativamente para o avanço do conhecimen- do modelo), que se refere à base teórica
to relativo à neurobiologia da dor, o paradigma que provoca a disfunção no animal e que
dominante na interacção entre a ciência básica deverá reflectir os mecanismos neurobioló-
e o desenvolvimento de novas abordagens far- gicos que causam a condição em humanos;
macológicas analgésicas reside, numa elevada assim a questão em causa é «as manipula-
percentagem, em estudos farmacológicos com- ções experimentais produzem mecanismos
portamentais. De facto, de acordo com Mogil, de patogénese semelhantes aos conhecidos
cerca de 25% da totalidade dos estudos publi- para a doença em estudo?» – este pode
cados na revista Pain usam a avaliação de com- mesmo ser o critério mais difícil de alcançar
portamentos indicativos de dor em animais como uma vez que o primeiro critério (face validi-
principal metodologia, o que representa bem ty) pode ser conseguido sem que os meca-
mais do que qualquer outro tipo de abordagem nismos moleculares sejam semelhantes.
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metodológica . A avaliação do comportamento 3. Predictive validity (validade de predição do
do animal permite uma aproximação, uma esti- modelo), que está relacionado com a capa-
mativa, da sensação de desconforto, da dor até, cidade do modelo predizer consequências
percepcionada pelo animal. Por isso, no imedia- fisiológicas de manipulações que se sabem
to, esses tipos de estudos podem suscitar um exacerbar ou atenuar as condições patoló-
maior interesse num clínico, e até na indústria gicas na doença em estudo (por exemplo
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farmacêutica que procura um fármaco, uma via na resposta a fármacos terapêuticos) .
de administração e saber que doses pode usar/ Na área da Dor, alguns autores são de opinião
recomendar. No entanto, quando os clínicos em que existe uma clara dicotomia no que se refere
Medicina da Dor lêem um artigo de investigação à questão de quão preditivos da experiência
básica com o intuito de extrapolarem algum humana são os modelos animais usados para
conhecimento para a clínica, devem talvez come- identificar e caracterizar uma proposta molécula
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çar por analisar o modelo animal usado no estu- terapêutica .
do em questão e tentar avaliar em que medida De facto, parece existir alguma frustração de-
se assemelha às manifestações clínicas para os rivada da falta de progresso na medicina de
quais desejam fazer uma extrapolação. No caso translação no campo da Dor. Assim, os avanços
de estudos de avaliação farmacológica de um no conhecimento científico básico obtidos em
composto, avaliar se os efeitos observados são modelos animais têm sido colossais nas últimas
robustos e se a via de administração usada no décadas mas não têm tido sempre repercussão
modelo animal é aceitável em humanos pode ser equivalente no desenvolvimento de muitos, e
também importante se o objectivo é analisar em verdadeiramente novos, compostos clinicamen-
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que medida os mesmos efeitos se poderiam ob- te eficazes e seguros . Os insucessos têm sido
servar em humanos. Uma vez que a experimen- relacionados tanto com efeitos secundários ad-
tação em humanos (derivada de extrapolação?) versos como com a falta de eficácia em huma-
não pode/deve ser feita sem avaliação dos riscos nos de compostos que aparentaram ser seguros
para o voluntário ou doente e sem consentimento e eficazes em modelos animais. Por isso, talvez
ético, a interpretação de estudos de segurança não seja de surpreender que cada vez mais são
do fármaco são também imperativos. questionados os modelos experimentais comum-
De facto, na investigação básica dos mecanis- mente usados nos estudos de dor e a sua vali-
mos fisiopatológicos associados a uma doença dade na translação para a situação humana 1,5,7 .
em particular usam-se modelos experimentais em A via de administração usada em modelos ani-
animais de laboratório que procuram uma apro- mais, muitas vezes não tão fácil de abordar em
ximação, o mais fiel possível, do que é verificado, humanos, tem também limitado o uso extensivo
tanto a nível da sintomatologia como da etiologia de alguns compostos na prática clínica. É o caso,
(quando conhecida) da doença observada em por exemplo, do sintético ω-conotoxina ziconotida
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humanos. Com o objectivo de aumentar as pro- (Prialt ), que apesar de ter uma eficácia boa em
babilidades de que os resultados num modelo humanos, deve ser administrado intratecalmente
predigam resultados similares em humanos, na e apresenta um índice terapêutico baixo, o que
escolha de um modelo experimental para o es- tem restringido o seu uso clínico alargado. Os
tudo em questão podem ser tidos em conta três modelos animais de dor têm sido relativamente
critérios, essenciais mas nem sempre fáceis de precisos na validação «reversa», isto é, na detec-
equacionar em simultâneo. Estes critérios, ini- ção de actividade analgésica em fármacos cuja
cialmente propostos para modelos de psicopa- eficácia clínica já era conhecida, mas o mesmo
tologias , mas também adaptados aos estudos não tem acontecido na validação de compostos
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em dor, são: necessária ao processo de desenvolvimento de DOR
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1. Face validity (validade de face do modelo), novos fármacos . No seu artigo recente na Na-
em que o que se pretende validar é se o ture Reviews Neuroscience, Mogil descreve a 37
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