Page 39 Volume 18 - N.2 - 2010
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Dor (2010) 18
natureza e implementação dos modelos animais cognitiva e emocional. É também alegado que
de dor enfatizando as suas complexidades, limi- as respostas de afastamento evocadas em ani-
tações e possíveis estratégias para a sua melho- mais não medem a dor em si, mas sim a hiper-
ria. Outros autores têm discutido a validade pre- sensibilidade (alodinia e hiperalgesia) que nor-
ditiva de modelos animais de dor neuropática 8-11 . malmente acompanham a dor . Em humanos, a
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A sua leitura pelos clínicos não familiarizados prevalência de dor espontânea (não-evocada)
com os modelos e testes comportamentais usa- contínua ou paroxística, ao invés da medida dos
dos na investigação básica em dor poderá aju- estados hipersensitivos dos doentes, tem sido
dá-los na interpretação dos artigos científicos na usada como um sinal melhor para avaliar a dor
área. Se para a dor aguda os modelos usados em escalas de moderada a grave. Os questio-
são razoáveis, o mesmo não parece acontecer nários usados como o McGill Pain Questionnaire
nos modelos de dor crónica. Dois dos modelos e as escalas de dor como a escala visual ana-
amplamente usados para estudar a dor neuro- lógica e a escala de dor neuropática dão infor-
pática são o da ligação do nervo espinal (spinal mação ao clínico acerca da intensidade, duração
nerve ligation [SNL]) e o da constrição crónica do (intermitente ou constante), localização (cutânea
nervo ciático (chronic constriction injury [CCI]). ou visceral) da dor. O reunir dessa informação
Apesar de até poderem replicar alguns elemen- ao longo de períodos de tempo substanciais
tos da patologia observados em casos clínicos permite ao clínico deduzir acerca da natureza
(face validity), principalmente na observação de continuada ou espontânea da dor e definir es-
hiperalgesia e alodinia, a maior parte dos mo- tratégias terapêuticas . No entanto, esta realida-
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delos falham relativamente à validade de cons- de clínica nem sempre tem sido retratada nos
trução do modelo, por exemplo em relação à modelos animais. Embora não possamos pergun-
neuralgia pós-herpética ou à neuropatia diabé- tar ao animal acerca da natureza da sua expe-
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tica dolorosa . E estas duas populações de do- riência, alguns comportamentos têm sido usados
entes são das mais usadas para avaliar o poten- como representativos de dor espontânea. Mas as
cial terapêutico de novos medicamentos. Vejamos opiniões no que se refere à validade destes di-
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o exemplo da população de doentes com neu- vergem . Em roedores, o animal de laboratório
ropatia diabética dolorosa. Um dos modelos mais usado para estudos nesta área, a dor es-
usados para a neuropatia diabética é o da injec- pontânea tem sido pouco avaliada talvez devido
ção intraperitoneal de estreptozotocina em roe- à dificuldade em reconhecer verdadeiras postu-
dores adultos, o que leva à morte selectiva das ras ou comportamentos de dor espontânea, de
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células β pancreáticas, responsáveis pela produ- acordo com a opinião de Mogil . Mesmo a me-
ção de insulina, originando sintomatologia de dição da vocalização ultra-sónica como meio de
diabetes tipo I. No entanto, a verdadeira seme- avaliar a dor espontânea em ratos e murganhos
lhança dos ensaios e da doença em humanos nem sempre tem sido considerada como fide-
tem sido questionada por alguns 12,13 . Um dos digna para usar como indicativa da dor expe-
problemas, alegado por alguns autores, dos mo- rienciada pelo animal 15,16 , embora outros estudos
delos de diabetes de tipo I é a de que o estado tenham concluído que esta medição seja quan-
de doença do animal é tão agravado que pode tificável, válida e fidedigna para avaliar comporta-
complicar a recolha de dados e a sua interpre- mentos indicativos de dor em ratos artríticos 17-19 .
tação . Mas mesmo esta opinião não é consen- Alguns comportamentos e estados fisiológicos
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sual e existe muita informação, que não apenas nos animais podem, no entanto, reflectir até certo
derivada de dados comportamentais, que se ponto estados de dor persistente. Estes, às vezes
pode recolher deste modelo animal. Deste modo, avaliados em simultâneo, têm sido agrupados
obviamente, que não é possível reproduzir de dentro das seguintes categorias:
forma consistente e exacta todas as condições – Não-específicos, como agressão, força da
clínicas humanas em animais de laboratório, mas mordedura, ingestão de alimentos, locomo-
também é verdade que muitos modelos animais ção, comportamento de luta, suporte do peso,
que falham nos critérios de face, construct ou postura e marcha.
predicitive validity relativamente a uma condição – Afectados pela dor mas não necessariamen-
clínica específica, têm sido importantes, pese te indicativos de dor persistente, como per-
embora as suas limitações, nos avanços da in- turbações da atenção e ganho de peso.
vestigação em dor. – Possivelmente específicos mas trabalhosos
Outra questão diz respeito à avaliação da dor de avaliar, incluindo comportamentos dirigidos
em animais, normalmente baseados nos seus e assimétricos como morder, recuar, lamber,
comportamentos. Os comportamentos medidos proteger, coçar ou sacudir a zona afectada.
são normalmente ou reflexos espinais (como re- – Automutilação.
flexo de afastamento de um estímulo aplicado pelo No entanto, alguns destes comportamentos
experimentador), reflexos espino-bulboespinais têm também sido verificados em situações de
(saltar ou alongamentos abdominais), ou sim- anedonia, doença, prurido, danos motores, stress
plesmente comportamentos inatos (vocalização, ou sedação, e nem sempre se têm demonstrado
coçar, morder, lamber, proteger a zona afecta- específicos, confiáveis e sensíveis a analgésicos
DOR da). Os reflexos de afastamento (withdrawal) comuns . Para além do mais, a variabilidade
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podem não ser relevantes para a dor clínica,
interindivíduos é geralmente grande, o que acres-
38 porque esta envolve avaliação e aprendizagem ce em dificuldade a tarefa.
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