Page 9 Volume 18 - N.3 - 2010
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Dor (2010) 18
e visceral, sendo que a sua activação é mecanis- inúmeros os trabalhos publicados nas últimas
mo subjacente ao bloqueio das vias inibitórias . duas décadas sobre a utilização de antagonis-
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Outro mecanismo que poderá explicar a sensi- tas do NMDAr como adjuvantes na analgesia
bilização central perioperatória e que também pós-operatória e também no tratamento da dor
envolve os NMDAr é a hiperalgesia induzida pe- crónica. Em revisão sistemática qualitativa sobre
los opióides (OIH), que resulta da utilização do os antagonistas NMDAr, McCartney, et al. evi-
próprio fármaco e que aumenta quando se utilizam denciaram os efeitos analgésicos preventivos da
doses mais elevadas 19,34,35 . Pode ocorrer nas di- cetamina e do dextrometorfano . A sua adminis-
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versas etapas do perioperatório: no pré-operató- tração tem um efeito na dor pós-operatória e/ou
rio de doentes com consumo prévio de opióides no consumo de analgésicos mais prolongado do
por dor ou hábitos de consumo, na analgesia que seria de esperar, considerando a sua dura-
intra e pós-operatória. Foi identificada em dife- ção de acção, mas para se optimizar este efeito
rentes opióides utilizados por rotina na prática e prevenir os fenómenos de sensibilização cen-
clínica, em exposição crónica ou aguda, mesmo tral e periférica, o esquema terapêutico deve
quando utilizados em doses terapêuticas 36,37 . O abranger não só o período perioperatório mas,
envolvimento do NMDAr é também sugerido também, enquanto persistirem estímulos nocicep-
pela eficácia demonstrada pela cetamina na re- tivos intensos 42,43 . Apesar das evidências, nem
dução destes fenómenos 38-40 . todos os doentes obtêm benefício clínico com a
A activação dos NMDAr é, portanto, uma eta- sua utilização, o que pode ser explicado pela
pa essencial na indução e persistência da dor, estreita janela terapêutica, pela falta de especi-
nomeadamente através do desenvolvimento da ficidade pelos NMDAr localizados no corno dor-
sensibilização central. sal da espinal medula (subunidade NR2B) e com
o aumento dos efeitos secundários por acção nos
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Abordagem da dor crónica pós-operatória outros NMDAr do sistema nervoso central .
Depois de estabelecida a DCPO, inflamatória
ou neuropática, o seu tratamento é mais difícil. Cetamina
A complexidade dos mecanismos fisiopatológi- Este fármaco foi introduzido na prática clínica
cos e a multiplicidade de factores de risco envol- em 1970, como anestésico dissociativo. É um
vidos ajudam a explicar a necessidade de uma derivado da fenciclidina, metabolizado no siste-
abordagem multimodal, não apenas farmacoló- ma do citocrómio P450 (CYP450), principalmente
gica, mas sempre com carácter marcadamente em norcetamina (20 a 30% da potência da ceta-
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preventivo. A mesma complexidade explica a di- mina), mas também em hidroxinorcetamina . Ac-
ficuldade em definir protocolos. No entanto, à luz tua em receptores glutaminérgicos (NMDA e
dos conhecimentos actuais sugere-se que, em alfa-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazol-propiona-
cirurgias de risco, a detecção pré-operatória dos to [AMPA]), opióides, muscarínicos, nicotínicos
doente mais susceptíveis para a persistência da e adrenérgicos. No NMDAr comporta-se como
dor pós-operatória (através de avaliação psico- um antagonista não-competitivo, ocupando o lo-
lógica com questionários, testes sensitivos está- cal de acção da fenciclidina no interior do canal
ticos ou dinâmicos, estudos genéticos e da efi- iónico. Em Portugal, está disponível como mis-
cácia do sistema analgésico endógeno) poderá tura racémica dos isómeros R(–) e S(+). Existe
permitir seleccionar a população que terá o noutros países sob a forma do enantiómero S(+),
maior benefício de uma abordagem terapêutica que tem o dobro da potência da forma racémica
agressiva, reduzindo a relação custo/benefício . (uma afinidade quatro vezes maior pelo NMDAr
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Esta estratégia deverá incluir uma analgesia pe- o que permite uma redução para 70% da dose),
rioperatória multimodal com analgésicos «clás- não possui o conservante cloreto de benzetónio
sicos» e fármacos com acção anti-hiperalgesia e em doses equianalgésicas associa-se a dimi-
(permitirá também reduzir o consumo de opióides nuição dos efeitos secundários cognitivos .
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e a ocorrência de OIH), adopção de técnicas ci- A sua utilização na abordagem da dor pós-
rúrgicas minimamente invasivas e poupadoras de operatória e na dor crónica motivou, ao longo das
estruturas nervosas, não-realização de cirurgias duas últimas décadas, a publicação de inúme-
sem indicação bem estabelecida e esclareci- ros trabalhos clínicos e laboratoriais, com a iden-
mento do doente sobre eventuais riscos asso- tificação de algumas evidências.
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ciados, nomeadamente a DCPO . A cetamina diminui o consumo de opióides de-
O mecanismo de acção dos antagonistas vido a uma acção analgésica sinérgica e poten-
NMDAr difere dos analgésicos clássicos, o que ciação da sua acção, diminuindo fenómenos como
lhes confere um papel particularmente útil na a tolerância e a OIH. Mais do que acção analgé-
prevenção da sensibilização central, fenómeno sica per se, a sua eficiência assenta na acção
que não tem sido devidamente valorizado como moduladora da sensibilização central induzida
elemento essencial para o desenvolvimento da pela incisão cirúrgica e destruição dos tecidos ou
DOR DCPO e que deve ser avaliado na dor pós-ope- secundária à administração de opióides, demons-
ratória, uma vez que a medicação analgésica
trando assim acção antialodinia, anti-hiperalgesia
8 convencional parece ter pouco efeito . Foram e preventiva da OIH . Com este objectivo e como
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