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Dor (2014) 22
tanto ao seu recetor de alta afinidade, o TrkA, como deixam em aberto a hipótese de o componente
a um recetor não-seletivo de neurotrofinas, o p75, inflamatório não ser o mais importante para o con-
com um papel menos estudado na fisiopatologia trolo dos sintomas álgicos da OA 51-54 .
da dor 41,42 . No adulto, a expressão de TrkA encon- A dor da OA tem sido atribuída ao dano local
tra-se limitada quase exclusivamente aos neuró- que causa uma «dor nociceptiva» . No entanto,
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nios sensitivos não-mielinizados peptidérgicos, tem surgido informação sobre a possibilidade da
com fibras C, responsáveis tipicamente pela trans- existência de mecanismos neuropáticos 56,57 , para
missão de impulsos nociceptivos, podendo encon- além dos nociceptivos, que contribuam para a ex-
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trar-se também em células não-neuronais . O NGF, periência dolorosa da OA. Hochman, et al. 58 de-
ao ligar-se ao TrkA, induz a dimerização deste re- monstraram, com recurso a um questionário, a pre-
cetor, a sua autofosforilação e a iniciação de uma sença de sintomas tipicamente associados à dor
cascata de eventos reguladores. Para além das neuropática, como parestesias, alodínia ou dor des-
suas ações à periferia, o NGF é transportado retro- crita como «queimadura», em cerca de 25% dos
gradamente para os corpos celulares dos neuró- indivíduos de idade avançada (67-99 anos) com OA
nios sensitivos nos gânglios das raízes dorsais, es- do joelho crónica e sintomática. Isto significa que
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timulando a ativação de várias vias intracelulares . pode haver um grupo de pacientes que beneficia-
Foi já descrito que certas lesões neuronais levam ria com a utilização de outros grupos de fármacos
a um aumento de expressão do NGF nas células no tratamento da dor. De facto, existe um ensaio
de Schwann, macrófagos e fibroblastos no local da clínico com 231 pacientes com OA do joelho que
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lesão . Foi também observado, no modelo de mostrou que a duloxetina, inibidor seletivo da re-
constrição crónica do nervo ciático, um modelo captação da noradrenalina e serotonina utilizado
muito utilizado para o estudo de dor neuropática, para o tratamento de situações de dor neuropática,
um aumento do NGF e do BDNF nos gânglios das teve um efeito analgésico significativo, indepen-
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raízes dorsais . Já a injeção de capsaicina no epi- dente da sua ação antidepressora .
neuro do nervo ciático, ou a estimulação elétrica do
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nervo, causam sobrerregulação do NGF . A sobrex- Conclusões
pressão do NGF tem sido associada a alteração dos
limiares de dor mediadas pelo seu recetor TrkA, Na abordagem da dor, uma questão médica por
tanto por sensibilização central, modulando os re- excelência, os estudos em humanos assumem uma
cetores NMDA, como periférica, ao envolver a des- particular importância. No entanto os modelos ani-
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granulação dos mastócitos . Vários trabalhos têm mais são cruciais para a obtenção de conhecimen-
mostrado, assim, as propriedades hiperalgésicas to sobre os mecanismos biológicos da dor na OA.
do NGF. Com base nestes dados, foi desenvolvido A sua aplicabilidade clínica está dependente con-
um anticorpo anti-NGF, o tanezumab, que mostrou tudo da relevância destes modelos.
um efeito analgésico relevante na OA moderada-a- A avaliação da nocicepção em modelos de dor
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-severa num ensaio clínico publicado em 2010 . na OA deve ser efetuada de forma clinicamente
Infelizmente, surgiu um efeito inesperado: dos 440 relevante e os testes de Knee-Bend e CatWalk são
pacientes envolvidos no estudo, 16 mostraram uma ferramentas úteis que avaliam a nocicepção primá-
degeneração articular tão extensa que necessita- ria nos animais. São testes sensíveis que podem
ram de substituição articular com colocação de ser aplicados em vários estudos pré-clínicos.
próteses. Importa referir que em metade dos pa- As respostas obtidas em modelos animais de OA
cientes as articulações afetadas não foram a articu- poderão abrir novas portas sobre os elementos –
lação índex (a articulação que estava a ser seguida neuropáticos, nociceptivos, inflamatórios ou outros
no ensaio). De qualquer forma, a Food and Drug – que contribuem para a dor na OA, fornecendo
Administration (FDA) determinou a suspensão de assim perspetivas para o desenvolvimento de no-
dois ensaios clínicos adicionais que utilizavam o vas estratégias terapêuticas.
tanezumab no tratamento de lombalgia e de neu-
ropatia diabética. Independentemente disso, con- Biografia
vém notar que a deterioração articular se pode 1. WHO Scientific Group on the Burden of Musculoskeletal Conditions at
dever à existência de OA concomitante noutras the Start of the New Millennium. The burden of musculoskeletal condi-
articulações e não ao efeito direto do tanezumab, tions at the start of the new millennium. World Health Organization
Technical Report Series. 2003;919:1-218.
já que num estudo feito em macacos não se en- 2. Felson DT. Clinical practice. Osteoarthritis of the knee. N Engl J Med.
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contraram alterações similares . 2006;354(8):841-8.
Já o anakinra, um antagonista do recetor da in- 3. Brandt KD, Radin EL, Dieppe PA, van de Putte L. Yet more evidence that
osteoarthritis is not a cartilage disease. Ann Rheum Dis. 2006;65(10):1261-4.
terleucina-1 utilizado atualmente para o tratamento 4. Lane NE. Clinical practice. Osteoarthritis of the hip. N Engl J Med.
da artrite reumatoide, também não mostrou eficácia 2007;357(14):1413-21.
no tratamento da OA. Face ao pressuposto de que 5. Oliveria SA, Felson DT, Reed JI, Cirillo PA, Walker AM. Incidence of
a IL-1b está envolvida na fisiopatologia da OA, symptomatic hand, hip, and knee osteoarthritis among patients in a
health maintenance organization. Arthritis Rheum. 1995;38:1134-41.
seria de esperar que a inibição deste agente cen- 6. Lawrence RC, Helmick CG, Arnett FC, et al. Estimates of the prevalence
tral na patogénese da degradação da cartilagem of arthritis and selected musculoskeletal disorders in the United States.
DOR fosse eficaz no tratamento da OA. Os resultados 7. Hart FD. Pain in osteoarthrosis. Practitioner. 1974;212:244-50.
Arthritis Rheum. 1998;41:778-799.
discordantes encontrados numa série de estudos,
32 com uma clara tendência para a falta de eficácia, 8. Grönblad M, Liesi P, Korkala O, Karaharju E, Polak J. Innervation of human
bone periosteum by peptidergic nerves. Anat Rec. 1984; 209:297-9.
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