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M. Mendonça, et al.: Dor na Osteoartrose: Modelos Animais e Testes Farmacológicos
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colagénio I, V e XII . Em contraste, existe uma gran- em pacientes com OA , com redução da carga no
de diferença no perfil de transcrição génica da car- membro afetado.
tilagem OA no modelo do MIA quando comparado A relevância destes dois testes no estudo da noci-
com a OA humana, com uma sobreposição de genes cepção induzida pela OA foi avaliada através de um
modulados inferior a 4% . São por isso necessários estudo de modulação farmacológica da nocicepção
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novos estudos para evidenciar a expressão de mo- no modelo de OA induzida pelo MIA . Foram admi-
léculas relacionadas com dor nos diferentes mode- nistrados três fármacos de diferentes classes e com
los e compará-las com as alterações humanas. diferentes mecanismos de ação: a lidocaína (intra-
-articular), um anestésico local que inibe a transmis-
Avaliação da nocicepção são do impulso nervoso da periferia para o sistema
nervoso central; a morfina (subcutâneo), um podero-
em modelos animais de dor na osteoartrose so analgésico opióide com efeitos tanto periféricos
Vários testes comportamentais têm sido utilizados como centrais e o diclofenac (oral), um AINE am-
para avaliar a nocicepção em modelos animais 13,35,36 . plamente utilizado em doentes com OA .
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No entanto, os testes mais comummente utilizados, O comportamento nociceptivo associado à OA
como a aplicação dos filamentos de von Frey na pata induzida pela injeção de MIA tem um padrão bifá-
do animal, ou a avaliação do limiar de resposta à sico, com uma fase inicial inflamatória e uma segun-
pressão exercida na pata pelo método de Randall- da fase, crónica, que tem início pelo dia 14 . Assim,
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-Sellito, não avaliam de uma forma relevante a no- a avaliação da nocicepção foi realizada 3 dias após
cicepção induzida pela OA que, como referido, indução da OA, numa fase inflamatória precoce, e
agrava com o movimento e a carga. Aliás, estes 20 dias após indução, altura em que doença dege-
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testes utilizam estímulos que não são aplicados na nerativa já está completamente estabelecida . A
articulação afetada, avaliando assim a nocicepção lidocaína reverteu os comportamentos nociceptivos
referida, observável na prática clínica, mas com em ambos os testes, 10 minutos após a sua injeção,
pouca relevância, quando comparada com a dor voltando para os valores basais 30 minutos após a
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induzida pelo movimento . Já os testes baseados administração . Este efeito foi observado aos 3 e
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apenas na distribuição diferencial de peso pelas pa- 20 dias após a indução da doença, apesar de o efei-
tas, como o Weight Bearing, apenas avaliam a distri- to ser mais marcado aos 3 dias (Fig. 1). Com a morfi-
buição do peso em repouso , ignorando a dor as- na, o efeito máximo antinociceptivo foi observado
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sociada ao movimento da articulação. entre 30 a 90 minutos após a administração do fár-
Assim, foi necessário desenvolver métodos sen- maco no teste do Knee-Bend, e entre 60 a 90 minutos
síveis que avaliassem eficazmente e de uma forma no CatWalk, voltando para os níveis basais 180 minu-
clinicamente relevante o comportamento nocicep- tos após o tratamento . A ação analgésica da mor-
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tivo dos animais OA. Tendo em conta as caracte- fina foi semelhante nos dias 3 e 20 (Fig. 2). O efeito
rísticas da dor na OA, Ferreira-Gomes, et al. des- máximo do diclofenac foi detetado 30 minutos após
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creveram os testes Knee-Bend e CatWalk que a administração do fármaco, em ambos os testes,
avaliam a nocicepção induzida pelo movimento e no dia 3 . Já no dia 20, o diclofenac apenas dimi-
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carga na articulação. No teste Knee-Bend, o estí- nuiu ligeiramente o comportamento nociceptivo ava-
mulo aplicado ao animal tem como objetivo simular liado pelo Knee-Bend e não teve qualquer efeito nas
o movimento, através de um conjunto de cinco alterações nociceptivas avaliadas pelo CatWalk
flexões e cinco extensões aplicadas pelo experimen- (Fig. 3). As diferenças observadas entre os resulta-
tador, sendo registado o número de vocalizações e/ dos dos dois testes podem dever-se à reorganiza-
ou reações de fuga em resposta ao movimento. A ção do padrão de locomoção do animal, que é um
resposta do animal à manipulação da articulação é processo complexo que envolve a interação de vias
avaliada de acordo com a seguinte escala: 0 – sem propriocetivas, exterocetivas e vias superiores coorde-
resposta; 0,5 – fuga em flexão/extensão máxima; 1 nadoras de movimento, aquando da analgesia induzi-
– fuga em flexão/extensão moderada ou vocalização da pela administração do fármaco e detetada no Cat-
em flexão/extensão máxima; 2 – vocalização em fle- Walk. Já o Knee-Bend avalia diretamente a nocicepção.
xão/extensão moderada. A soma das reações, com Na quadro 1 estão sumariados os resultados de
valor máximo de 20, corresponde à pontuação do vários estudos que utilizaram o modelo da injeção
Knee-Bend, indicadora da nocicepção do animal. No intra-articular de MIA, em diferentes doses, para
teste CatWalk é permitido aos animais caminhar livre- analisar, recorrendo a testes comportamentais que
mente numa plataforma iluminada de forma que a luz avaliam a dor referida, o efeito de diversos fárma-
seja refletida apenas nos pontos de contacto das cos. A falta de estandardização dos testes com-
patas dos animais com a plataforma. A intensidade portamentais no estudo da dor em modelos ani-
do sinal obtido depende da área da pata em con- mais da OA, assim como a utilização de testes que
tacto com a superfície e da pressão aplicada pela não avaliam corretamente a dor resultante da OA,
pata. Os resultados são expressos como a percen- poderá explicar os resultados divergentes obtidos
tagem da intensidade total da pata ipsilateral em por diferentes testes para os mesmos fármacos/
relação ao total das patas traseiras. Os animais OA classes de fármacos (desde ineficaz até extrema-
demonstram um comportamento sugestivo de no- mente eficaz). Apesar disto, não deverá surpreen- DOR
cicepção induzida pelo movimento, sobreponível der a eficácia dos opióides, fármacos com ação
às alterações do padrão de locomoção encontrado central importante, na diminuição da hiperalgesia 29