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6. Anestesia para cesariana
ROSÁRIO FORTUNA
A tremenda evolução sofrida pela anestesia e analgesia em obstetrícia nos
últimos 20 anos exige que façamos frequentes reflexões sobre a nossa prática
profissional quotidiana. Verdades que pareciam incontestáveis há apenas alguns
anos, como as indicações da anestesia geral, são permanentemente postas em
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causa . Por outro lado, a negligência em procedimentos básicos de rotina é causa
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frequente de acidentes e complicações nesta área tão susceptível .
Trabalhar com uma população maioritariamente jovem e saudável, que
tem em média um ou dois filhos e investe o máximo em cada gravidez, nela
depositando um mundo de expectativas e que, por isso mesmo, tolera mal
qualquer tipo de fracasso, é para nós anestesistas um desafio sem dúvida
compensador quando o resultado é uma mãe feliz com o seu recém-nascido
saudável, mas um pesadelo quando algo não corre bem.
Assim, nunca é demais chamar a atenção, especialmente dos colegas ainda
em formação, para a importância da existência de protocolos e regras de
conduta numa prática anestésica actualizada, segura e de qualidade . 4
A elaboração de protocolos e regras de conduta, tão contrários à rebeldia, ao
improviso e ao marialvismo lusitano, tem por base a análise e registo rigorosos
dos actos prestados e sua repercussão no bem-estar da pessoa em causa.
Ora a área dos “registos” também não encanta muito os médicos portugue-
ses, não sendo os anestesistas excepção, e muito menos quando se trata de
registos de morbilidade e mortalidade. Daí que quando queremos avaliar a
repercussão da anestesia na área da Obstetrícia, tenhamos que nos socorrer
de instrumentos de trabalho como os “Inquéritos Confidenciais à Mortalidade
Materna” do Reino Unido. A publicação destes inquéritos bianuais induziu
uma alteração da atitude dos anestesistas obstétricos da Grã-Bretanha, que se
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repercutiu na Europa e no resto do mundo .
Esta mudança radical de atitude, nomeadamente perante a anestesia
regional, durante muito tempo encarada como o maior perigo para a obstetrí-
cia e a partir de certa altura como a solução de quase todos os seus
problemas, foi acompanhada duma evolução farmacológica e técnica, sem a
qual não se poderia efectuar.
De facto, se foi importante, por exemplo, a “redescoberta” há cerca de 20 anos,
da existência de receptores opióides a nível medular que, ao permitirem a
anestesia e analgesia obstétricas com doses muito mais baixas de anestésicos
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locais, a fizeram sair da chamada “Idade das Trevas” , essa revolução não seria
possível sem um paralelo desenvolvimento de técnicas e materiais. Das agulhas
e cateteres cada vez mais finos, mais resistentes e maleáveis e menos traumá-
ticos, bem como da evolução e qualidade de toda uma panóplia de monitoriza-
ção, depende muitas vezes o êxito das nossas performances – longe vão os
tempos em que para fazer as sequenciais eram propostas como grande novidade
kits com agulhas de Tuohy 16G standard, com agulhas “bico de lápis” 26G 9-11 .
Gostaria de lembrar que o facto de nos basearmos maioritariamente em
referências inglesas ou americanas para estabelecermos as nossas regras de condu-
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