Page 350 Guia para o Tratamento da Dor em Contextos de Poucos Recursos

Acupuntura permanece por vezes um dos poucos
métodos possíveis de tratamento capaz de oferecer
um alívio da dor.
Além disso, a Acupuntura pode ser uma alternativa
razoável em doentes com contraindicações a vários
medicamentos ou que não toleram os efeitos
secundários, ou em situações em que os
medicamentos são demasiado dispendiosos.
Quando usados de forma racional e como parte de
um programa de gestão da dor abrangente, a
Acupuntura pode ser eficaz, em particular se o
doente for recetivo à mesma. Outra vantagem é o
facto de a Acupuntura poder ser simplesmente
aplicada sem apoio ou dispositivos técnicos. As
únicas condições prévias são a presença de um
acupunctor experiente e o fornecimento de agulhas
esterilizadas para Acupuntura.
O que se tenta gerir: a dor ou a doença?
À medida que a globalização acelera, começam a
espalhar-se diferentes culturas e filosofias de
medicina pelo mundo. É muito tentador adaptar
rapidamente uma ideia nova e a MTC (incluindo a
Acupuntura) – devido à sua abordagem holística –
tem uma imagem muito positiva. Os cursos
intensivos de Acupuntura aos fins de semana, com
grande adesão na Europa e em países de expressão
inglesa, demonstram que estamos mais do que
dispostos a incorporar novas ideias. Embora faça
sempre sentido alargarmos os nossos próprios
horizontes, devemos perguntar-nos se é assim tão
fácil a transferência transcultural da MTC, incluindo
a Acupuntura.
A título de exemplo, a MTC recorre à
Acupuntura, não como terapêutica única isolada,
mas sim como parte de um conceito de diagnóstico
e tratamento que inclui o diagnóstico do pulso, a
fisioterapia e os tratamentos dietéticos. O
diagnóstico do pulso pertence ao conjunto original
de quatro métodos de diagnóstico descritos como
parte essencial da prática da MTC. O termo chinês
que indica um vaso sanguíneo ou um meridiano é
Mai e o mesmo termo é usado para descrever o
pulso. A palpação do pulso é chamada de Qiemai,
que faz parte do método de diagnóstico geral da
palpação ou sensação do corpo. O diagnóstico do
pulso era mencionado em manuais médicos
ancestrais chineses. Um pulso demasiado forte ou
fraco denunciava doença. O objetivo do diagnóstico
do pulso, à semelhança dos outros métodos de
diagnóstico, consistiu sempre em obter informação
útil acerca do que se passa no interior do corpo, o
que causou a doença, o que pode ser feito para
retificar o problema e quais as probabilidades de
sucesso. O «calor» e «frio» ou o «excesso» ou as
«deficiências» são categorias típicas utilizadas para
estabelecer um diagnóstico nesta abordagem. O
médico deve tomar o pulso em condições
adequadas – seguindo procedimentos estabelecidos
– e deve então traduzir o pulso único sentido numa
ou mais das categorias de formas de pulso. A
iconografia mais corrente envolve 24-28 formas
diferentes de pulso! Essencialmente, existem nove
tomadas de pulso em cada pulso: uma para cada um
dos três dedos onde é tomado o pulso em cada um
dos três níveis de pressão. Este exemplo oferece ao
leitor a possibilidade de compreender, por um lado,
a complexidade da MTC, e, por outro, as diferenças
fundamentais relativamente à abordagem da
medicina ocidental.
É necessário recordar que a MTC foi
desenvolvida há muito tempo, quando o
conhecimento sobre a fisio(pato)logia era apenas
rudimentar. Como tal, não se deve encarar como
um desvio da tradição ocidental o facto de se
promover o recurso à Acupuntura neste capítulo,
possivelmente fora dos conceitos da MTC. A
essência deve ser que a MTC promove a
subjetividade do doente e do terapeuta, o que
representa um aspeto importante, que por vezes se
perdeu na medicina técnica ocidental, que tenta
fragmentar o doente em sintomas. Devido à
abordagem subjetiva, a Acupuntura permanece uma
troca terapêutica singular entre o doente e o médico.
Deve notar-se, contudo, que a transferência da
Acupuntura para a medicina ocidental causou
alguma confusão. Por conseguinte, a prática atual da
Acupuntura não reflete necessariamente a
Acupuntura tradicional, mas sim uma interpretação
ocidental dos textos chineses, o que conduz a
incompreensões e más interpretações. Colocar a
Acupuntura num contexto explicativo de «contra-
irritação», «teoria do controlo do portão – gate-
control» e «inibição endógena da dor» pode, por um
lado, salvar a Acupuntura do «charlatanismo» e, por
outro, ajudá-la a encontrar o seu lugar enquanto