Page 395 Guia para o Tratamento da Dor em Contextos de Poucos Recursos
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acetaminofeno, a dipirona também pode ser usada tecidos periféricos, principalmente se houver
para tratamentos prolongados. Suas indicações são inflamação. O efeito analgésico é resultado da
dor aguda e crônica de intensidade leve a moderada, redução da abertura pré-sináptica dos canais de
além de cólicas. cálcio e da liberação de glutamato, além do aumento
Muitos pacientes se queixam de sudorese para a qual da efluxo pós-sináptica de potássio e da
não há tolerância. O tópico de reações hiperpolarização da membrana celular que reduz a
idiossincráticas a medicamentos foi reaberto por excitabilidade.
algumas publicações escandinavas e uma série de O tratamento com opioides envolve um equilíbrio
países então tiraram a dipirona do mercado. Mas entre analgesia suficiente e a acorrência de efeitos
vários outros países, inclusive Alemanha, Espanha e adversos. Os efeitos adversos mais frequentes –
a maioria dos países latino-americanos consideram náusea e sedação – diminuem ao longo do tempo de
de baixo risco o uso da dipirona se comparado aos uso devido a tolerância, exceto a obstipação que
efeitos adversos dos AINEs. A aplicação pode ser tratada profilaticamente com bons
intravenosa rápida pode ser associada a hipotensão, resultados.
que não deve ser confundida com resposta alérgica, A melhor indicação clínica para os opioides é o
que de fato ocorre apenas raramente. As tratamento sintomático de dor aguda e crônica
contraindicações são porfíria, deficiência de glicose- moderada ou intensa, principalmente dor pós-
6-fosfato desidrogenase, gestação (principalmente operatória e dor oncológica. A dor neuropática
no último trimestre) e aleitamento. também pode ser uma indicação, principalmente em
A dose padrão da dipirona é 500-1.000 mg quatro pacientes com HIV/AIDS. A dor crônica não
vezes ao dia. oncológica, como lombalgia inespecífica crônica ou
cefaleia, raramente são boas indicações para
Analgésicos opioides opioides. Nos cuidados paliativos, os opioides
também podem ser usados de forma eficaz para
Os opioides podem ser classificados em fracos e controlar dispnéia.
fortes. A escada de três degraus da Organização O abuso ou vício com os opioides é extremamente raro em
Mundial de Saúde (OMS) para tratamento da dor pacientes sem histórico de abuso de álcool, benzodiazepínicos
oncológica também acompanha essa divisão, ou drogas ilícitas! A razão é que quando os opioides
defendendo primeiro o uso de um opioide “fraco” são usados para controle da dor, a dose estável evita
(por ex., tramadol ou codeína) para dores mudanças importantes nos níveis séricos, portanto
moderadas seguido por um opioide “forte” (por ex., impedindo a ativação do sistema dopaminérgico de
morfina ou hidromorfona) para dores fortes. Para a recompensa (ao contrário de viciados que
prática clínica, a terapia com opioides pode começar experimentam um pico alto da droga após elevação
com baixas doses de opioides “fortes”, se não súbita dos níveis sanguíneos após injeção
houver disponibilidade de opioides “fracos”. intravenosa de um opioide e um “desejo” nos
Os opioides também são classificados de acordo intervalos entre a próxima injeção). Devemos
com sua afinidade com o recetor. O efeito diferenciar dependência psicológica ou vício com
analgésico dos opioides é mediado pela ligação aos dependência física. Na verdade, todos os opioides
recetores μ, κ e δ. Com exceção de pentazocina, causam dependência física (como várias classes de
tramadol e buprenorfina, todos os opioides medicamentos, como betabloqueadores e
comumente disponíveis são mais ou menos anticonvulsivantes), e os pacientes desenvolvem
agonistas μ puros com função linear de dose e sintomas de abstinência se os opioides são
efeito. Tramadol, pentazocina e buprenorfina, por interrompidos sem a diminuição gradual das doses.
outro lado, têm um efeito teto e se ligam a recetores Opioides “fracos”
diferentes ou adicionais. Os recetores opioides são De acordo com a escada de três degraus da OMS
encontrados em várias áreas do cérebro, da medula para dor oncológica, os opioides fracos devem ser
espinhal e – ao contrário da crença popular – nos usados primeiro, se os analgésicos não opioides