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Dor (2001) 9
afectar a pessoa humana. Neste conjunto estão seja, que não se prevê alteração da situação pos-
integrados não só os danos corporais como os terior à consolidação. No entanto, esta situação
danos morais. pode ser caracterizada por momentos em que
O dano dor integra um prejuízo insusceptível a dor estará presente e por outros em que o pa-
de avaliação pecuniária, pelo que a quantificação decimento não se fará sentir.
exacta da dívida é impossível. Nestes termos, A dor física pode ser considerada como dano
cabe ao tribunal fixar equitativamente o montan- permanente quando é reconhecida a existência
te indemnizatório, que consiste numa compen- de uma dor crónica que não é ponderada como
sação de natureza económica pelos sofrimentos implicando uma incapacidade permanente (pois
físicos e psíquicos, mais ou menos intensos, que se implicasse estaríamos a valorizá-la duplamente).
acompanham a lesão corporal. Não se trata aqui, A dor psicológica, por seu turno, pode ser in-
em rigor, de uma indemnização, mas sim de uma demnizável como dano permanente, deixando
compensação/satisfação pelos danos, visando de se integrar no dano estético (alteração mor-
proporcionar certa margem de bem-estar ten- fológica do indivíduo que lesa interesses de
dente a fazer esquecer ou minorar os padeci- ordem material e espiritual) e no prejuízo de afir-
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mentos provocados pela lesão . mação pessoal (que inclui o sofrimento resul-
O dano dor abarca a dor física (conjunto de tante da limitação da realização da pessoa no
sensações físicas resultantes da ofensa) e a dor meio familiar, social e cultural em que se insere)
em sentido psicológico (um trauma ou alteração enquanto objecto de uma valoração subjectiva
psíquica em reacção a uma ofensa externa). da própria vítima.
Enquanto a primeira resulta dos ferimentos re-
lativos ao órgão ou parte do corpo afectada
aquando da acção lesiva e das posteriores in- Bibliografia
tervenções cirúrgicas e tratamentos efectuados, 1. Fial JA. Uma visão biopsico-social. Dor. APED 2000.
internamentos, medicamentos prescritos e de- 2. Lorenz K. The natural science of the human species. MITPress
mais impedimentos penosos decorrentes, po- 1996.
dendo materializar-se para poder ser medida ou 3. Bonica JJ. The management of pain. Filadelfia: Lea & Fegiber 1991.
avaliada, a dor psicológica é, por vezes, de im- 4. Cassell E. The nature of suffering. Oxford University Press 1991.
possível materialização. 5. Biscaia J. Sofrimento e dor humana. Cadernos de Bioética 9.
CEB 1995.
A dor psicológica aparece-nos como o sofri- 6. Twycross R. Symptom management in advanced cancer. Rad-
mento complementar resultante do conhecimen- cliffe Medical Press 1997.
to e consciência da dor que a agressão à inte- 7. Von Engelhardt D. Il rapporto médico-paziente in mutamento.
gridade física provoca, bem como da necessária Medicina e Morale 1999.
sujeição a determinados tratamentos, e a ante- 8. Eide A. The new international economic order and the pro-
visão dum futuro com capacidades funcionais e, motion of human rights. UNDoc. E/CN.4/Sub2/1987/29, pp
ou, psíquicas diminuídas. 14-15. Economic, social and cultural rights - A Textbook. Dor-
drecht/Boston/London: Nijhoff 1995; 21-40.
A determinação, em concreto, da existência e 9. Hendriks A. The close connection between classical rights and
da intensidade da dor pode ser realizada através, the right to health, with special reference to the right to sexual
em concreto, das repercussões físicas e psico- and reproductive health. Medicine and Law 1999; 18: 225-242.
lógicas evidenciadas por aquele que suporta a 10. De Farinha P. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem
dor e, nomeadamente, através da medicamen- anotada, p. 12.
tação necessária para estabilizar a vítima. Assim, 11. Wall P. Pain, the science of suffering. Weidenfeld & Nicholson
1999.
usa caracterizar-se a dor em função da sua na- 12. Comissão Europeia dos Direitos Humanos, 19 Maio 1994.
tureza, intensidade, duração e frequência, apre- Tanko v. Finland. Appl. 23634/94. D&R 77-B 1994; 133-137.
ciando-se, para tanto, as características do le- 13. Comissão Europeia dos Direitos Humanos, 2 Maio 1997. D.
sado - sexo, idade, personalidade, nível cultural, v. United Kingdom. Reports of Judgements and Decisions
meio social e profissão - e, por outro lado, a na- 1997-III: 793-794, 51-54.
tureza da ofensa, a medicamentação, trata- 14. Van Hooft S. Suffering and the goals of medicine. Medicine, He-
alth Care and Philosophy 1998; 1: 125-131. The Netherlands.
mentos, intervenções cirúrgicas e as situações 15. Mendes C. Direitos, liberdades e garantias, pp. 101 e ss.
penosas a que é sujeito o ofendido. 16. Gomes JJ, Moreira V. Constituição da República Portuguesa
A dor pode ser, igualmente, qualificada como anotada. 3.ª ed. Coimbra 1993.
dano temporário (aquela que se verifica no pe- 17. Freitas do Amaral D. Natureza da responsabilidade civil por
ríodo que medeia entre a acção lesiva e o actos médicos praticados em estabelecimentos públicos de
momento em que se entende não poder ser me- saúde.
lhorado o estado da vítima - data de consoli- 18. Capelo de Sousa R. O direito geral de personalidade. Coimbra
1995.
dação) ou como dano permanente, a par da in- 19. Hubmann H. Das Persönlichkeitsrecht. Pp. 175 e ss. e 223 e ss.
capacidade permanente, do dano estético, e do 20. Byk C. Statut du corps humain et pratiques biomedicales: a
prejuízo de afirmação pessoal. propos des lois bioethiques françaises. International Journal
O dano permanente não equivale, como é of Bioethics 1996; 7 (1): 3.
comum afirmar-se, à certeza de ser um dano que 21. Silva A. A responsabilidade civil do médico. Colectânea de ju-
risprudência 1978; AIII,T1.
® acompanhará o lesado de forma constante, em 22. Coelho dos Santos J. A reparação civil do dano corporal: re-
DOR cada segundo da sua vida, antes correspon- flexão jurídica sobre a perícia médico-legal e o dano dor. Rev
20 dendo à ideia nuclear de dano duradouro, ou Port Dano Corp 1994; 2(4): 73-90.
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