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Dor (2001) 9
O dirimir das questões de responsabilidade – O conjunto corporal organizado.
do Estado, dos demais entes públicos e dos ti- – Os múltiplos elementos anatómicos que in-
tulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos tegram a constituição fisicosomática e o equi-
causados por actos de gestão pública pertence pamento psíquico do homem.
aos tribunais administrativos. – As relações fisiológicas decorrentes da per-
tença de cada um desses elementos a estruturas
A tutela juscivilística: e funções intermédias e ao conjunto do corpo,
nomeadamente quando se traduzem num es-
os direitos de personalidade tado de saúde fisicopsíquica.
As previsões de lei civil, referentes aos direitos A compreensão do corpo humano é indisso-
de personalidade, valem nas relações paritárias ciável da ponderação tanto das suas forças
entre os particulares ou nas relações estabele- inatas como do poder de autodeterminação do
cidas entre os particulares e o Estado e demais homem sobre o seu próprio corpo, mecanismos
pessoas colectivas públicas enquanto actuarem estes que o Direito tem de respeitar e promover.
destituídos do seu ius imperii. Por isso mesmo, a moderna ciência jurídica vem
ramificando o conteúdo dos poderes e deveres
jurídicos relativos ao corpo humano em dois
Os direitos de personalidade grandes núcleos:
Há direitos fundamentais que, por terem como – A integridade ou incolumidade corporal, que
objecto directamente tutelado a personalidade o defende de violações ou de ameaças e, por
humana, traduzem-se, ao nível juscivilístico (das vezes, impõe deveres de auxílio em seu favor.
normas que regulam as relações que se esta- – O poder de autodeterminação sobre o pró-
belecem entre os particulares), em direitos da prio corpo.
personalidade. Assim, e em contrapartida, verificamos que o
Desde logo, podemos atentar-nos na tutela corpo humano é duplamente protegido. Por um
geral da personalidade estabelecida no art. 70 lado, contra as violações cometidas por terceiros
do Código civil. O seu n.º 1 diz-nos que "a lei - trata-se da inviolabilidade do corpo humano, e
protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilí- por outro, contra o poder de disposição do in-
cita ou ameaça de ofensa à sua personalidade divíduo - trata-se da indisponibilidade do corpo
física ou moral". Esta disposição vem, segundo humano.
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alguns autores , consagrar um direito geral de
personalidade, tido como um direito subjectivo
pessoal à tutela da personalidade humana. A integridade corporal
A personalidade humana, enquanto objecto
do referido direito, pode ser definida como uma Do bem jurídico da integridade do corpo hu-
unidade físico-psico-ambiental. mano resulta, em primeiro lugar, para terceiros,
Nestes termos, a personalidade é constituída e inclusivamente para o Estado, um dever de
por uma organização somaticopsíquica com- respeito de qualquer corpo humano alheio, na
posta por bens ou elementos constitutivos (v.g., sua totalidade. Deste modo se considera como
vida, o corpo, o espírito), por funções (v.g., a civilmente ilícita toda e qualquer ofensa ou
função circulatória e a inteligência), por estados ameaça de ofensa ao real e ao potencial do
(v.g., a saúde, o prazer, a tranquilidade), e por corpo, que não goze de excepcionais causas de
forças, potencialidades e capacidades (v.g., os justificação.
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instintos, os sentimentos, a inteligência) ; e por Assim, são ilícitos os actos de terceiros que,
uma estrutura mais alargada, de teor relacional, de qualquer modo, lesem ou ameacem lesar o
socioambientalmente inserida e que abarca dois corpo humano de outrem (v.g., através de feri-
pólos interactivos: o "eu" e o mundo. mentos, maus tratos físicos ou psíquicos, muti-
Deste modo, o fraccionamento da personali- lações, inibições ou afectações de capacidades)
dade é predominantemente função da neces- bem como os actos de terceiros que se traduzam
sidade do respectivo estudo, não implicando uma numa intervenção não justificada no corpo de ou-
cisão da sua unidade. Assim, tanto a personali- trem (v.g., intervenção cirúrgica não consentida).
dade física como a personalidade moral, a ana- A tutela do bem jurídico da integridade cor-
lisar de seguida, permanecem em constante re- poral impõe, não apenas deveres meramente ne-
lação e interdependência. gativos de abstenção, mas também, em certas
hipóteses e inclusivamente aos profissionais
de saúde, deveres positivos de praticar actos de
A personalidade física auxílio.
Nomeadamente, e segundo o que dispõe o
No que respeita à personalidade física, em- art. 8.º do Código Deontológico da Ordem dos
bora incidível da personalidade moral, podemos Médicos, "em situação de urgência, o médico
® referir em especial o corpo humano enquanto deve, em qualquer lugar ou circunstância, prestar
DOR bem juridicamente tutelado. Através da protecção tratamento de urgência a pessoas que se en-
16 conferida ao corpo humano são protegidos: contrem em perigo imediato, independentemente
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