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José Alberto Fial: Dor - Uma visão sociojurídica
O Código Deontológico postula, tendo em o seu titular tenha determinados poderes. Assim,
conta a necessidade de manifestação de uma possui o poder de exigir dos restantes sujeitos
vontade intensa e correctamente formada, no que se abstenham de realizar actos que ofendam
seu art. 39, que "antes de adoptar um método ou ameacem ofender os seus direitos (exigência
de diagnóstico ou terapêutica que considere de respeito), e, em determinadas circunstâncias,
arriscado, o médico deve obter, de preferência que pratiquem actos que salvaguardem os seus
por escrito, o consentimento do doente ou o de bens de personalidade (exigência de participação).
seus pais ou tutores, se for menor ou incapaz, Assim, a ordem jurídica, ao instituir um direito
ainda que temporariamente". subjectivo, vai desvalorizar qualquer actuação
contrária à prossecução desse direito, que assim
é qualificada de ilícita (ou seja, que ofende
A tutela dos direitos de personalidade normas jurídicas).
A tutela deste tipo de direitos é fundamental- Pode ser considerada ilícita, quer uma acção
mente garantida através de sanções civis, por - que viola o dever de abstenção de praticar
exemplo, da responsabilidade civil e das pro- actos que ofendam ou ameacem ofender a per-
vidências a que se refere o n.º 2 do art. 70 do sonalidade de outrem, quer uma omissão - que
CCP, e de dispositivos processuais civis, como existe quando se viola um dever de agir resul-
a acção comum de declaração. tante da lei, por exemplo, do estatuto deontoló-
No que respeita à responsabilidade civil (obri- gico duma profissão de interesse público (v. o
gação de reparar prejuízos, reconstituindo a si- art. 26 do CDOM, já citado).
tuação anterior à lesão ou, uma vez impossibili- "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar
tada esta via, pagando uma indemnização em ilicitamente o direito de outrem ou qualquer dis-
dinheiro), os bens da personalidade, embora não posição legal destinada a proteger interesses
fazendo parte do património financeiro do res- alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos
pectivo indivíduo, têm grande relevância para a danos resultantes da indemnização". É o que
vida económica das pessoas e, inclusivamente, nos diz o n.º 1 do art. 483 do CCP.
da sua lesão podem resultar não apenas danos Assim, é pressuposto da obrigação de in-
não patrimoniais, como também danos patri- demnizar que:
moniais (v.g., a incapacidade para o trabalho e – Seja praticado um facto ilícito.
consequente perda de rendimentos). – Haja dolo (intenção de realizar a lesão) ou
Os direitos de personalidade podem ser vio- mera culpa (negligência).
lados no âmbito de uma actividade contratual ou – Exista um dano ou prejuízo (que normal-
extracontratual. No âmbito do contrato de pres- mente é de natureza não patrimonial ou moral,
tação de serviços médicos, por exemplo, é usual- ou seja, prejuízo de ordem biológica ou espiri-
mente fonte do dever de indemnizar a situação tual, que apesar de não ser susceptível de ava-
em que o médico não cumpre, ou cumpre de- liação em dinheiro, pode ser compensado). É o
feituosamente a obrigação que assumiu. Ou seja, caso da perda da saúde, das dores e incomo-
quando o médico não cumpre na perfeição a didades físicas, dos sofrimentos, dos desgostos
obrigação, em termos genéricos, de prestar ao e constrangimentos morais e afectivos (art. 496).
doente os melhores cuidados ao seu alcance, – Haja um nexo de causalidade entre o facto
no intuito de lhe restituir a saúde, suavizar os so- e o dano (ou seja, que aquele dano seja conse-
frimentos e salvar ou prolongar a vida, desde que quência específica daquela lesão).
tenha agido com culpa (que se presume), cons-
titui-se no dever de indemnizá-lo pelos prejuízos O dano dor
a que deu causa.
A culpa traduz-se, principalmente, no facto de Por a dor nos aparecer frequentemente tra-
o médico ter agido de tal forma que a sua con- tada em termo jurídicos como um dano a in-
duta lhe deva ser pessoalmente censurada e re- demnizar na sequência duma lesão à integridade
provada. Por exemplo, no caso de o médico, física dum indivíduo, há-de fazer-se breve alusão
prevendo embora a possibilidade de verificação ao seu tratamento jurídico nesta sede.
de certo facto (v.g., um fenómeno doloroso que Assim, como vimos já e nos termos do art. 566
pode evitar) como resultado da sua conduta, por do CCP, na impossibilidade de reconstituir a si-
leviandade, precipitação ou falta de cuidado, crê tuação anterior à lesão ou, quando a reconstituição
na sua não verificação, não tomando por isso, natural não repara integralmente os danos, fixa-
as precauções necessárias para o evitar, e ainda se uma indemnização em dinheiro, tomando como
quando por descuido, imperícia ou falta de ade- medida a diferença entre a situação do lesado na
quados conhecimentos não chega a prever a data mais recente que puder ser atendida pelo tri-
possibilidade de verificação de certo resultado, bunal e a que teria se não existissem danos.
podendo e devendo prevê-lo se tivesse agido Para o direito português, os danos indemni-
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com a diligência exigível . záveis reconduzem-se a duas grandes catego-
No que se refere à responsabilidade extra- rias: patrimoniais e não patrimoniais. É, nesta ®
contratual, tal como temos vindo a verificar, a última que são considerados todos os danos in- DOR
existência de um direito subjectivo implica que susceptíveis de avaliação pecuniária que possam 19