Page 35 Volume 11, Número 1, 2003
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Dor (2003) 11
nossos conhecimentos para podermos atingir a ex- Os enfermeiros consideram possuir conhecimen-
celência nos cuidados. tos suficientes a bons relativamente à dor pediátrica.
As crianças, como seres capazes de fazerem as Contudo, 1/4 admite a necessidade de mais formação
suas próprias escolhas, de interagirem com o meio sobre o desenvolvimento neurológico, mecanismos
envolvente e de comunicarem (da maneira que po- que geram dor e seus efeitos sistémicos na criança.
dem), obrigam-nos a responder às suas necessida- Cerca de um em cada seis enfermeiros reconhece
des na prevenção e alívio da dor, tal como o fazemos que globalmente que os seus conhecimentos são in-
para o adulto. Os cuidados de enfermagem geral- suficientes.
mente são programados, o que cria as condições As melhores autoavaliações do conhecimento e a
necessárias para que a dor seja prevenida. Uma cri- maior antiguidade na profissão correspondem a me-
ança que sofre não é exemplo de boa prática de en- lhores saberes e práticas de cuidados dos enfermei-
fermagem. ros. Estas associações revelaram-se estatisticamen-
A construção de uma escala para avaliar os sabe- te significativas.
res e práticas de cuidados dos enfermeiros pediátri- Este trabalho veio confirmar que as acções de for-
cos perante a dor na criança permitiu-nos fazer um mação sobre dor são úteis para a adopção de sabe-
diagnóstico da situação, identificar as temáticas a res e práticas de cuidados positivos em relação à
desenvolver e as correcções a efectuar em futuras dor na criança. Os enfermeiros de nível II, habilita-
acções de formação, em função dos desvios encon- dos com uma especialidade, e entre estes com a es-
trados. No entanto, reconhece-se a necessidade de pecialidade de Saúde Infantil e Pediátrica e os que
melhoramentos ao nível da validade e confiabilidade frequentaram acções de formação sobre dor, de-
da escala. monstram de forma estatisticamente significativa
Dos resultados encontrados, concluímos que os melhores saberes e práticas de cuidados. Entre os
saberes e práticas de cuidados dos enfermeiros são hospitais, observaram-se igualmente diferenças sig-
positivas. A esmagadora maioria dos enfermeiros nificativas nos saberes e práticas de cuidados dos
considera desnecessária a dor causada pelos exa- enfermeiros.
mes, que os analgésicos não devem ser reservados Neste sentido, e de acordo com os resultados en-
só para as dores intensas, que para além dos narcó- contrados, sugerem-se acções a desenvolver priori-
ticos são muitos os medicamentos úteis no alívio da tariamente nos hospitais de Viseu e Leiria, com pro-
dor, que a criança queimada necessita de analgesia gramas adaptados e personalizados à realidade
antes de realizar o seu penso, que se deve evitar a concreta.
utilização da via intramuscular para administração Para garantirmos um maior sucesso no desenvol-
de medicação, que as crianças que toleram pouco vimento destas acções de formação sobre a dor,
a dor não podem ser consideradas maus doentes e pensamos que os planos de desenvolvimento curri-
que a forma de aliviar a dor é diferente de criança cular dos seus formandos, a par de um aumento do
para criança. nível de profundidade técnica e científica, contem-
Apenas 2,4% dos enfermeiros têm saberes e prá- plem um ensino que propicie reflexões continuadas
ticas de cuidados que não foram consideradas po- sobre os saberes e práticas cuidativas. É necessá-
sitivas. Contudo, não é de desprezar a percentagem rio ajudar os formandos a conhecerem-se durante o
de enfermeiros com necessidade de reflectirem so- seu processo de formação para que possam estabe-
bre os seus actos quando cuidam da criança com lecer uma relação de igualdade e respeito mutuo
dor. As saberes e práticas relacionadas com o reco- entre crianças, pais e família. Obviamente, que para
nhecimento, avaliação e tolerância à dor foram as di- nós isto é prioritário para a formação dos enfermei-
mensões onde os enfermeiros revelam maiores difi- ros nas Escolas de Enfermagem.
culdades. Destas salientamos que: Como continuidade deste trabalho, seria interes-
• Um em cada cinco enfermeiros não aceita in- sante aperfeiçoar a construção da escala de sabe-
condicionalmente que a dor é tudo o que a cri- res e práticas de cuidados perante a dor na criança
ança diz que é. e desenvolver estudos que verifiquem se estas se
• Um em cada três revela dúvidas ou concorda traduzem na sua prática diária dos enfermeiros, bem
que a criança que ao tirar proveito da dor não a como identificar os obstáculos existentes ao nível do
sente verdadeiramente e que a morfina é um funcionamento organizacional do serviço/instituição
medicamento de último recurso. que impedem a adopção de medidas adequadas na
• A maioria está indecisa ou concorda com o de- prevenção e alívio da dor.
senvolvimento da tolerância à dor na criança, O desenvolvimento multidimensional da enferma-
que o prolongamento da dor tende a aumentar gem garantiu-lhe um crescimento gradual sustenta-
a sua tolerância, que a criança é mais sensível do em práticas reflexivas, que lhe permitiu atingir
que os adultos aos efeitos depressores respira- uma performance no caminho da excelência.
tórios da morfina e que a sedação tem efeitos A reflexão sobre alguns dos dados encontrados
analgésicos. nesta investigação leva-nos a acreditar que a exce-
• Demonstram ambiguidade quanto relação de lência dos cuidados à criança com dor e sua família
dependência entre as manifestações de dor da passa pelo:
DOR criança e o seu estádio de desenvolvimento •Seguimento de um modelo teórico de enferma-
cognitivo, assim como quanto à influência da
gem inserido no paradigma da simultaneidade,
34 privação sensorial na percepção da dor. que privilegie a parceria nos cuidados com cri-