Page 34 Volume 11, Número 1, 2003
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L.M. Cunha Batalha: Os enfermeiros e a dor na criança
vas, o que reforça a convicção de que o trabalho de- participantes por item, desde que o rácio número de
senvolvido em acções de formação sobre a dor é participantes/factores não seja inferior a 20/1 e tenha
frutuoso. Na verdade, mais de metade dos enfermei- pelo menos 100 elementos.
ros do HP (62,3%) frequentaram acções de forma- A análise factorial exploratória com base em 63
ção, enquanto no HL menos de um em cada cinco itens permitiu encontrar uma solução final de 25
enfermeiros (17,3%) frequentou acções de forma- itens distribuídos por 6 dimensões, semelhante ao
ção, e no HV essa percentagem foi apenas de 9,6%. teoricamente previsto. A excepção foi a dimensão
Se a formação dos enfermeiros é um factor vital reconhecimento da dor, que emergiu da dimen-
para a melhoria dos cuidados que prestam, seria su- são teórica manifestações de dor e desdobra-
posto pensar que os melhor preparados tivessem mento da dimensão teórica avaliação da dor.
melhores saberes e práticas de cuidados. A associ- Embora não prevista inicialmente, esta dimensão foi
ação estabelecida entre a autoavaliação dos conhe- reconsiderada a natureza conceptual dos seus itens
cimentos dos enfermeiros e seus saberes e práticas com o paradigma teórico, sendo-lhe atribuído o
de cuidados revelaram-se directa e positivamente nome de reconhecimento da dor.
correlacionadas (r = 0,347; p = 0,000). A coerência A solução final da escala explica mais de metade
entre o reconhecimento das suas competências e da variância total (56,53%), o que é muito próximo
seus saberes e práticas nos cuidados à criança com dos 60% preconizado . Os itens apresentam satura-
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dor são o primeiro passo para o desenvolvimento de ções significativas nos respectivos factores, excepto
cuidados com qualidade. Quem não se sabe autoa- dois com saturações aceitáveis (0,421 e 0,470) .
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valiar não poderá avaliar os cuidados que presta. As correlações entre as dimensões revelam que a
Ora, dificilmente reconhecerá e ultrapassará as suas dimensão cuidados não farmacológicos apre-
próprias dificuldades e as de quem presta cuidados. senta algum grau de independência relativamente a
todas as outras dimensões da escala, o mesmo su-
Considerações metodológicas cedendo entre a dimensão reconhecimento da
dor e as dimensões tolerância à dor e avalia-
Antes de mais, devem-se reconhecer algumas li- ção da dor. No entanto, as correlações entre as
mitações subjacentes a um trabalho que nasce de restantes dimensões e com o total da escala são sig-
uma problemática não totalmente reconhecida pelos nificativas, o que garante a unidimensionalidade da
enfermeiros, bem como a frágil motivação dos pro- escala, embora se possa questionar a independên-
fissionais de saúde para participarem nestes estu- cia das dimensões entre si. Estas constatações leva-
dos. Não nos podemos esquecer, principalmente nos a concluir que serão necessários melhoramen-
nos últimos anos, que são muitos os profissionais de tos futuros a este nível, nomeadamente com a
saúde, em formação, a recorrer frequentemente aos inclusão de outros itens.
serviços de saúde para colheita de dados, provo- A estabilidade temporal da escala é muito boa
cando um natural desgaste. Esta foi uma preocupa- (r = 0,957) e o seu grau de coerência interna (α = 0,66)
ção acrescida na construção de um instrumento de é muito próximo dos, 7 recomendados 28,121 .
colheita de dados simples e de rápida resposta, o Temos consciência que a proporção de variância
que nem sempre é tarefa fácil. total explicada pós-rotação Varimax da escala e o
A avaliação dos resultados desta investigação seu grau de coerência interna poderiam ser melho-
não pode deixar de ter em conta que os mesmos rados pelo aumento do número de participantes. Re-
têm um carácter ecológico, sem possibilidade de conhecemos a necessidade de novas aplicações
inferências. para o melhoramento desta escala de saberes e prá-
A forma como foram obtidos os dados (sem qual- ticas de cuidados perante a dor na criança. Todavia,
quer restrição para aumentar o número de partici- foi uma primeira tentativa, o que é sempre o passo
pantes) deve ser tida em consideração na interpre- mais difícil de ser dado.
tação dos resultados, uma vez que nada nos A exploração dos dados colhidos é sempre passí-
garante que em alguns casos os enfermeiros te- vel de inúmeros outros cruzamentos, nomeadamen-
nham trocado impressões durante o preenchimen- te com as dimensões da escala, o que se sugere
to do questionário, apesar de instruções claras em numa próxima oportunidade.
sentido contrário. Uma outra dificuldade deveu-se à escassez de
Por outro lado, reconhece-se que o tempo dispo- estudos semelhantes, o que necessariamente condi-
nível para a realização desta investigação foi curto, ciona a análise e discussão dos resultados.
o que condicionou o número de participantes para a
construção da escala que permitiu medir a variável Conclusões
dependente (saberes e práticas de cuidados peran-
te a dor na criança). Diversos estudos evidenciaram a existência de la-
Segundo Bryman e Cramer , e para a concretiza- cunas no conhecimento, concepções, e pensamen-
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ção da análise factorial, deveria haver um mínimo de tos estereotipados que nos conduzem a apreciações
5 participantes por item para que se encontrasse inadequadas sobre a experiência humana da
uma solução final confiável. Todavia, importa real- dor 38,129 . Os nossos saberes e práticas são factores
çar que o número de enfermeiros por nós inquirido que necessariamente produzem efeito nos nossos DOR
(198 para 63 itens) respeita indicações de outros au- actos. Como profissionais de saúde, temos uma res-
tores que apontam para uma proporção de dois ponsabilidade moral e ética de actualizarmos os 33
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