Page 33 Volume 11, Número 1, 2003

Dor (2003) 11
Curioso é o facto de mais de metade dos enfermei- tolerância à dor. Contudo, devem merecer uma aten-
ros concordar que a morfina não causa mais depen- ção especial no futuro, pois são evidentes algumas
dência na criança comparativamente com o adulto, o discrepâncias entre os saberes e práticas de cuida-
que aliás está cientificamente provado . Será que a dos dos enfermeiros nas várias dimensões da es-
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respiração, ao ser considerada um sinal vital, os en- cala. Cerca de 2,4% dos enfermeiros revelaram sa-
fermeiros lhe atribuem maior importância?! beres e práticas de cuidados que impedem uma
Mais de 4 em cada 5 enfermeiros acredita que a gestão eficaz da dor na criança.
forma de aliviar a dor difere de criança para criança.
Tudo aponta para que a visão mecanicista ou biomé- Relação entre variáveis sociodemográficas,
dica dos cuidados já não faz parte do seu quotidia- conhecimento e saberes e práticas de cuidados
no cuidativo. Estarão, por ventura, mais próximos de
uma prática dentro do paradigma da simultaneida- Pensávamos que os saberes e práticas de cuida-
de , onde o enfermeiro intervém numa atitude de dos dos enfermeiros perante a dor na criança fos-
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parceria, com respeito pelas diferenças e onde a qua- sem influenciadas por variáveis sociodemográficas.
lidade de vida da criança e sua família é a sua gran- A verdade é que, e para nossa surpresa, a idade dos
de preocupação. O respeito pela condição singular enfermeiros e o seu tempo de exercício em serviços
de cada criança e sua família, a partilha de sentimen- pediátricos não estavam associados aos seus sabe-
tos e emoções e a consciencialização das sua pró- res e práticas de cuidados. São conhecidos estudos
prias emoções, sentimentos e comportamentos são que confirmam estes resultados 8,18 .
pilares básicos da humanização dos cuidados. Quanto ao tempo de exercício na profissão, os
O ambiente terapêutico, nomeadamente aquele mais antigos têm melhores saberes e práticas de
que é promovido pela musicoterapia ou pela relação cuidados (p = 0,018). Por ventura, a experiência cui-
de confiança mútua entre enfermeiro/criança/pais, dativa proporciona saberes práticos que ajudem os
contribui para o seu alívio da dor 11,112,114 . A comuni- enfermeiros a tomarem saberes e práticas mais coe-
cação, ao ser um dos factores mais importantes na rentes com o conhecimento científico actual.
avaliação dos cuidados de enfermagem, é prioritá- Relativamente ao sexo, apesar das diferenças não
ria na prevenção eficaz da dor 110,112 . A solidez da re- serem estatisticamente significativas, os enfermeiros
lação de confiança estabelecida entre enfermeiro e têm pontuações mais elevadas que as enfermeiras.
criança transmite segurança e tranquilidade, a cha- Quem passou por experiências dolorosas signifi-
ve para o sucesso terapêutico, por exemplo, dos cativas revelou pontuações médias muito próximas
placebos 48,113 . A função da música, entre outras for- dos que não tiveram essa experiência. Seria por nós
mas de distracção, no alívio da dor é explicada pela suposto encontrar diferenças substanciais, uma vez
teoria do Portão ao facilitar a libertação de neuromo- que acreditávamos que a experiência dolorosa tor-
duladores endógenos que bloqueiam a percepção nasse as pessoas mais sensíveis a essa causa. To-
da dor pelo fecho do portão 38,45,48,50 . davia, importa esclarecer que sendo a experiência
O papel do isolamento e ambiente escurecido, dolorosa necessariamente uma avaliação subjecti-
normalmente usado como forma de alívio da dor, di- va, própria de cada um e que acontece em contex-
vide os enfermeiros. De acordo com Raiman , e pelo tos muito variados, isso influencia necessariamente
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princípio da inundação sensorial, a privação de estí- o significado que cada um lhe atribui, bom ou mau
mulos ambientais aumenta a percepção da dor. Um independentemente de ser uma experiência signifi-
maior esclarecimento acerca dos factores que influ- cativa. Porter , ao apreciar a autoavaliação do com-
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enciam a percepção dolorosa seria importante para portamento de médicos e enfermeiros perante a exe-
que o uso de medidas cuidativas não farmacológi- cução de procedimentos dolorosos, em crianças nos
cas seja implementado na prática com mais frequên- EUA, chegou a idênticos resultados.
cia e convicção. Entender o papel terapêutico da Os enfermeiros com uma categoria profissional
música e não compreender o papel do isolamento mais elevada, com uma especialidade, e entre estes
ou escuridão na percepção da dor é aparentemente os que possuíam a especialidade em enfermagem
um paradoxo. A não ser que os enfermeiros ajam por de saúde infantil e pediátrica, apresentaram pontua-
imitação rotineira, sem plena consciência dos efeitos ções mais elevadas nos seus saberes e práticas de
das suas acções no domínio da dor, o que sincera- cuidados (p = 0,000; p = 0,000; p = 0,002, respecti-
mente temos dificuldade em aceitar. A rotinização e vamente), o que vem apoiar resultados de outras in-
ritualização dos cuidados impede o estabelecimen- vestigações .
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to de uma relação interpessoal significativa necessá- Não foi com surpresa que confirmámos o impor-
ria ao estabelecimento de uma verdadeira relação tante papel que as acções de formação sobre dor
de ajuda. O enfermeiro não pode ser um mero exe- desempenham em prol da excelência dos cuidados
cutor de tarefas. (p = 0,000). Embora, a tradução prática das refle-
Numa visão global, podemos afirmar que os sabe- xões/conhecimentos adquiridos possam encontrar
res e práticas de cuidados dos enfermeiros perante muitos obstáculos . Este estudo parece comprovar
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a dor na criança se aproximam muito do teoricamente que o investimento na formação é imperioso para a
preconizado nas dimensões relativas às concepções qualidade de vida das crianças que sofrem com dor
DOR de dor, cuidados farmacológicos e não farmacológi- e suas famílias 7,18,20,21 .
cos. Os maiores desfasamentos, todavia positivos,
Entre os enfermeiros dos três hospitais, as diferen-
32 relacionam-se com o reconhecimento, avaliação e ças encontradas foram estatisticamente significati-