Page 32 Volume 11, Número 1, 2003
P. 32



L.M. Cunha Batalha: Os enfermeiros e a dor na criança Dor (2003) 11
crianças como a sua pior dor 19,82,92,104 , pelo que estão meiros pediátricos deparam-se com dificuldades Curioso é o facto de mais de metade dos enfermei- tolerância à dor. Contudo, devem merecer uma aten-
actualmente proscritas . que tem sido apontadas como causas da negligên- ros concordar que a morfina não causa mais depen- ção especial no futuro, pois são evidentes algumas
92
O reconhecimento da dor foi a dimensão da escala, cia da dor em criânças 11,14 . dência na criança comparativamente com o adulto, o discrepâncias entre os saberes e práticas de cuida-
11
na qual quase um em cada três enfermeiros manifesta Tal como foi descrito por Salantera no seu estudo, que aliás está cientificamente provado . Será que a dos dos enfermeiros nas várias dimensões da es-
8
dificuldades (pontuação inferior ou igual a 50 pontos). a quase totalidade dos enfermeiros considera que respiração, ao ser considerada um sinal vital, os en- cala. Cerca de 2,4% dos enfermeiros revelaram sa-
Na verdade, em pediatria nem sempre é fácil reco- uma criança queimada necessita de um analgésico fermeiros lhe atribuem maior importância?! beres e práticas de cuidados que impedem uma
nhecer a dor. Ela é uma experiência pessoal e subjec- antes de realizar um penso. Todavia, a prática nem Mais de 4 em cada 5 enfermeiros acredita que a gestão eficaz da dor na criança.
tiva que pode ser influenciada por múltiplos factores sempre o confirma. Poderemos perguntar, afinal, forma de aliviar a dor difere de criança para criança.
e a criança comunica essa sensação de variadas for- que barreiras existem entre o conhecimento, sabe- Tudo aponta para que a visão mecanicista ou biomé- Relação entre variáveis sociodemográficas,
mas . Nos primeiros anos da sua vida, a expressão res e práticas e a prática efectiva? dica dos cuidados já não faz parte do seu quotidia- conhecimento e saberes e práticas de cuidados
3
verbal da dor apresenta limitações subjacentes ao Embora quase metade dos enfermeiros discor- no cuidativo. Estarão, por ventura, mais próximos de
seu desenvolvimento cognitivo 48,53,69 , o que dificulta o dem que uma criança ansiosa ou deprimida não te- uma prática dentro do paradigma da simultaneida- Pensávamos que os saberes e práticas de cuida-
reconhecimento da dor. Esta, para além de ser uma nha realmente dor, 1/3 tem dúvidas ou pensa o con- de , onde o enfermeiro intervém numa atitude de dos dos enfermeiros perante a dor na criança fos-
87
razão que leva ao subtratamento da dor pediátrica , trário. Na verdade, não é fácil distinguir na criança parceria, com respeito pelas diferenças e onde a qua- sem influenciadas por variáveis sociodemográficas.
19
implica que os pais sejam parceiros privilegiados nos entre comportamentos sugestivos de dor e ansiedade/ lidade de vida da criança e sua família é a sua gran- A verdade é que, e para nossa surpresa, a idade dos
cuidados. Esta parceria ganha pertinência, na medi- depressão. A dor gera na criança stress, ansiedade e, de preocupação. O respeito pela condição singular enfermeiros e o seu tempo de exercício em serviços
da em que os pais são actores de referência no pro- nos casos de dor crónica, depressão, embora stress, de cada criança e sua família, a partilha de sentimen- pediátricos não estavam associados aos seus sabe-
cesso comunicacional ao promoverem e facilitarem o ansiedade e depressão nem sempre gerem dor , tos e emoções e a consciencialização das sua pró- res e práticas de cuidados. São conhecidos estudos
15
reconhecimento da dor nos seus filhos 11,90,101,104 . apesar de poderem aumentar a sua percepção. prias emoções, sentimentos e comportamentos são que confirmam estes resultados 8,18 .
Acresce referir, a propósito, que, num estudo desen- As crianças que tiram proveito da dor não mani- pilares básicos da humanização dos cuidados. Quanto ao tempo de exercício na profissão, os
volvido por McGrath e Craing , 99% das crianças in- festam outros comportamentos indicativos de dor, O ambiente terapêutico, nomeadamente aquele mais antigos têm melhores saberes e práticas de
101
quiridas afirmaram aquilo que o que as mais ajudava para além de o afirmarem verbalmente. No entanto, que é promovido pela musicoterapia ou pela relação cuidados (p = 0,018). Por ventura, a experiência cui-
quando sentiam dor era a presença da sua mãe. isso não significa que não sintam realmente dor, bem de confiança mútua entre enfermeiro/criança/pais, dativa proporciona saberes práticos que ajudem os
A indecisão dos enfermeiros, relativamente às in- pelo contrário . Dos enfermeiros inquiridos, um em contribui para o seu alívio da dor 11,112,114 . A comuni- enfermeiros a tomarem saberes e práticas mais coe-
3,7
fluências do seu desenvolvimento cognitivo nas res- cada três não comunga desta opinião, o que nos cação, ao ser um dos factores mais importantes na rentes com o conhecimento científico actual.
postas de dor da criança, confirmam a dimensão do parece ser um factor importante a reter como causa avaliação dos cuidados de enfermagem, é prioritá- Relativamente ao sexo, apesar das diferenças não
reconhecimento da dor como uma das áreas a privi- da negligência no alívio da dor. ria na prevenção eficaz da dor 110,112 . A solidez da re- serem estatisticamente significativas, os enfermeiros
legiar no desenvolvimento de futuras acções de for- A divisão dos enfermeiros quanto ao facto de uma lação de confiança estabelecida entre enfermeiro e têm pontuações mais elevadas que as enfermeiras.
mação. Estas dificuldades são, em nossa opinião, criança sedada poder ou não ter menos dor é notó- criança transmite segurança e tranquilidade, a cha- Quem passou por experiências dolorosas signifi-
agravadas pela metodologia adoptada na organiza- ria. Na generalidade, os sedativos são desprovidos ve para o sucesso terapêutico, por exemplo, dos cativas revelou pontuações médias muito próximas
ção dos cuidados de enfermagem. A não implemen- de efeitos analgésicos 15,90,97 , sendo por isso utiliza- placebos 48,113 . A função da música, entre outras for- dos que não tiveram essa experiência. Seria por nós
tação do método de trabalho por enfermeiro respon- dos como terapêutica complementar para controlar mas de distracção, no alívio da dor é explicada pela suposto encontrar diferenças substanciais, uma vez
sável leva a que sejam muitos os enfermeiros a factores que podem interferir na percepção da dor teoria do Portão ao facilitar a libertação de neuromo- que acreditávamos que a experiência dolorosa tor-
cuidarem da mesma criança, prejudicando a relação (medo, stress, ansiedade, experiências anteriores, duladores endógenos que bloqueiam a percepção nasse as pessoas mais sensíveis a essa causa. To-
de confiança, a continuidade da comunicação e a etc.). Eles promovem o relaxamento pela redução da da dor pelo fecho do portão 38,45,48,50 . davia, importa esclarecer que sendo a experiência
centralização da informação num só enfermeiro, o ansiedade e provocam amnésia, o que para além de O papel do isolamento e ambiente escurecido, dolorosa necessariamente uma avaliação subjecti-
que impede uma identificação e avaliação segura da prevenir efeitos adversos de uma experiência anterior normalmente usado como forma de alívio da dor, di- va, própria de cada um e que acontece em contex-
dor, o que prejudica a continuidade entre a planifica- desagradável reduzem o metabolismo, com conse- vide os enfermeiros. De acordo com Raiman , e pelo tos muito variados, isso influencia necessariamente
38
90
ção e a prestação dos cuidados. Em suma, prejudi- quente menor consumo de energia, oxigénio, frequên- princípio da inundação sensorial, a privação de estí- o significado que cada um lhe atribui, bom ou mau
cam a implementação de uma relação de ajuda cia cardíaca e respiratória, para além de produzirem mulos ambientais aumenta a percepção da dor. Um independentemente de ser uma experiência signifi-
efectiva e a prestação de cuidados de excelência uma sensação de calma e tranquilidade , fazendo maior esclarecimento acerca dos factores que influ- cativa. Porter , ao apreciar a autoavaliação do com-
18
75
para o alívio da dor. aumentar a produção de opiáceos endógenos . enciam a percepção dolorosa seria importante para portamento de médicos e enfermeiros perante a exe-
50
A maioria dos enfermeiros parece reconhecer a Sabe-se, actualmente, que a morfina não causa que o uso de medidas cuidativas não farmacológi- cução de procedimentos dolorosos, em crianças nos
dor na criança, quando esta a manifesta verbalmen- mais dependência ou depressão respiratória na cri- cas seja implementado na prática com mais frequên- EUA, chegou a idênticos resultados.
te. De facto, a dor é tudo aquilo que a pessoa diz ança que no adulto 2,95,96 , que deve ser utilizada sem- cia e convicção. Entender o papel terapêutico da Os enfermeiros com uma categoria profissional
que é 3,35 . Mas, e aquelas crianças cujo desenvolvi- pre que necessário e não como último recurso , que música e não compreender o papel do isolamento mais elevada, com uma especialidade, e entre estes
7
mento não lhes permite comunicar verbalmente a deve ser administrada e não reservada para as do- ou escuridão na percepção da dor é aparentemente os que possuíam a especialidade em enfermagem
dor?! Importa não esquecer que as crianças conse- res intensas e que existem muitos medicamentos um paradoxo. A não ser que os enfermeiros ajam por de saúde infantil e pediátrica, apresentaram pontua-
1
guem desenvolver mecanismos de adaptação à dor, eficazes no alívio da dor 15,91 . imitação rotineira, sem plena consciência dos efeitos ções mais elevadas nos seus saberes e práticas de
sobretudo quando esta se prolonga no tempo, conti- Acresce, que o alívio eficaz da dor pressupõe que das suas acções no domínio da dor, o que sincera- cuidados (p = 0,000; p = 0,000; p = 0,002, respecti-
nuando a sofrer sem manifestarem alterações visí- a medicação deve ser administrada na dose e fre- mente temos dificuldade em aceitar. A rotinização e vamente), o que vem apoiar resultados de outras in-
veis no seu comportamento 3,7,48,71 . quência que permita a ausência de dor e ocorra an- ritualização dos cuidados impede o estabelecimen- vestigações .
8
O reconhecimento da dor em pediatria é particu- tes do seu aparecimento, nem que para isso seja ne- to de uma relação interpessoal significativa necessá- Não foi com surpresa que confirmámos o impor-
larmente difícil. Apenas um em cada três enfermei- cessário acordar a criança 2,89,90 . ria ao estabelecimento de uma verdadeira relação tante papel que as acções de formação sobre dor
ros concorda que as crianças dizem sempre a ver- O mito de que as crianças são mais sensíveis aos de ajuda. O enfermeiro não pode ser um mero exe- desempenham em prol da excelência dos cuidados
dade acerca da dor que sentem. As crianças podem efeitos depressores respiratórios da morfina que os cutor de tarefas. (p = 0,000). Embora, a tradução prática das refle-
negar a existência de dor, pelo medo de levar uma adultos divide a opinião dos enfermeiros, embora um Numa visão global, podemos afirmar que os sabe- xões/conhecimentos adquiridos possam encontrar
injecção, pela presença de um profissional estranho em cada três afirme que tal não acontece como já foi res e práticas de cuidados dos enfermeiros perante muitos obstáculos . Este estudo parece comprovar
18
ou simplesmente por medo 3,80 , mas quando a mani- cientificamente demonstrado 2,11 . O recém-nascido a dor na criança se aproximam muito do teoricamente que o investimento na formação é imperioso para a
festam sentem realmente dor e raramente o fazem pode apresentar um ligeiro aumento da semivida preconizado nas dimensões relativas às concepções qualidade de vida das crianças que sofrem com dor
para obter benefícios 7,101 . dos opióides , mas os estudos confirmam que os DOR DOR de dor, cuidados farmacológicos e não farmacológi- e suas famílias 7,18,20,21 .
96
Independentemente dos avanços científicos reali- ricos são mínimos e sabe-se que a naxolona inverte cos. Os maiores desfasamentos, todavia positivos, Entre os enfermeiros dos três hospitais, as diferen-
zados no domínio da avaliação da dor , os enfer- eficazmente os efeitos depressores da morfina 2,11 . 31 32 relacionam-se com o reconhecimento, avaliação e ças encontradas foram estatisticamente significati-
72
   27   28   29   30   31   32   33   34   35   36   37