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G. de Mesquita Araújo: Dor Neuropática Vascular – Dor Fantasma
são de existência real, participarem em tarefas dor fantasma (Houghton, et al., 1994). Vários
cognitivas com as mesmas propriedades de um estudos prospectivos sugerem a relação entre
membro real, e poderem ser evocadas por esti- dor pré-amputação e o desenvolvimento de dor
mulação de áreas distintas da amputação (Ga- fantasma (Jensen, et al., 1985; Nikolajsen, et al.,
lhardo, 2004). 1997). O trabalho do grupo de Nikolajsen verifi-
Vários estudos efectuados nos anos 80 de- cou que a dor pré-amputação aumentava signi-
monstraram que o córtex somatossensitivo tem ficativamente a incidência de dor fantasma e dor
a capacidade de, após fibras periféricas aferen- no coto após 1 semana e aos 3 meses, mas não
tes que chegavam até si terem sido destruídas, aumentava aos 6 meses pós-amputação. Toda-
responder a fibras vizinhas que se mantiveram via esta relação não é simples de estabelecer.
intactas. Esta plasticidade central foi observada Alguns doentes com dor grave no pré-operatório
a vários níveis do SNC. Um dos primeiros estu- não desenvolvem dor fantasma, enquanto que
dos sobre reorganização cortical em doentes outros com dor moderada no pré-operatório de-
com membros fantasma (Flor, et al., 1995) senvolvem dor fantasma intensa. Também doen-
mostrou que existe uma grande reorganização tes com amputações pós-traumáticas, alguns
cortical no lado amputado. Em amputados dos quais nunca tinham tido dor antes da am-
traumáticos do membro superior, a intensidade putação, desenvolvem dor fantasma (Lacoux, et
da dor fantasma é proporcional à extensão da al., 2002).
reorganização cortical no homúnculo somatos- Outra questão prende-se com a possível per-
sensorial, demonstrada pelo desvio da represen- sistência da dor experimentada antes da ampu-
tação cortical da boca para a área inicialmente tação como dor fantasma. A dor pré-amputação
ocupada pela representação da mão. A grande- intensa e prolongada dá origem a alterações
za desse desvio é também proporcional à dor estruturais ao nível do SNC, que, combinadas
pré-amputação (Flor, 1995). Quando ocorre o com as memórias álgicas conscientes da dor
desvio de áreas corticais adjacentes para a pré-amputação, levam a que a dor anteriormen-
zona de amputação, os nociceptores da zona te sentida seja referida ao membro fantasma
amputada respondem aos estímulos das áreas (Katz, 1990). Existem relatos de diversos casos
vizinhas, mas a sensação é percebida como ten- clínicos em que a dor fantasma é semelhante à
do origem no membro fantasma. dor pré-amputação quer na qualidade quer na
Este resultado gerou a hipótese de que a re- localização (Hill, et al., 1996; Katz, 1990; Nikola-
organização cortical exagerada podia ser a prin- jsen, 1997). Verificou-se também que os doentes
cipal causa da dor fantasma, e da origem e têm tendência a sobrestimar a intensidade da
manutenção de sensações fantasma, uma vez dor pré-amputação, quando questionados após
que os dois fenómenos estão correlacionados a amputação (Nikolajsen, et al., 1997).
na sua intensidade (Montoya, et al., 1997).
A reorganização cortical é reduzida durante o Tratamento
bloqueio do plexo braquial, quando a anestesia A dor pós-amputação é muito difícil de tratar.
local reduz a intensidade da dor fantasma, Vários inquéritos efectuados revelaram que, ape-
permanecendo inalterada quando a anestesia sar dos médicos pensarem que os diversos tra-
não reduz a dor (Birbaumer, et al., 1997). A re- tamentos são eficazes (Sherman, 1980), apenas
dução da intensidade da dor deve ser acompa- 30% dos doentes medicados obtém algum alívio
nha por uma redução da reorganização cortical da dor (Sherman, 1984). Esta taxa de sucesso é
(Huse, et al., 2001). equivalente à resposta ao placebo (Evans, 1974).
Assim, factores periféricos e centrais são deter- A dificuldade prende-se com o facto de existi-
minantes para o aparecimento de dor fantasma. rem poucos estudos clínicos aleatorizados que
Também a dor experimentada antes da ampu- orientem a terapêutica. Também, apesar dos nu-
tação cria uma «memória álgica» no córtex so- merosos avanços que se fizeram nesta área, os
matossensitivo primário, não consciente, e nou- mecanismos subjacentes ainda são pouco com-
tras áreas envolvidas no processamento da dor preendidos, sendo assim difícil estabelecer uma
(Flor, 1995), podendo esta ser importante no de- estratégia terapêutica clara e eficaz. O tratamen-
senvolvimento de dor fantasma. Estímulos nóxi- to da dor fantasma pode ser médico ou cirúrgi-
cos intensos durante um período prolongado de co, sendo o médico o mais eficaz.
tempo induzem alterações no SNC, especialmen- As recomendações para tratamento da dor
te a nível cortical (Flor, 2002). A estimulação eléc- fantasma sugerem a mesma abordagem utiliza-
trica de áreas talâmicas privadas de impulsos da para outros tipos de dor neuropática. Os vá-
periféricos, como por exemplo na amputação, rios fármacos utilizados com sucesso em dor
gera dor na zona desaferenciada. Este facto sig- crónica por lesão neuropática têm um sucesso
nifica que a representação dessa área permane- variável na redução da dor fantasma e nenhum
ceu no SNC, como memória (Lenz, et al., 2000). efeito sobre as sensações fantasma.
A terapêutica inclui fármacos antidepressivos
Dor pré-amputação e dor fantasma tricíclicos, antagonistas dos canais de sódio, ga-
A existência de dor pré-amputação parece ser bapentina, opióides e antagonistas dos recepto- DOR
um factor de risco para o desenvolvimento de res NMDA, entre outros. 27
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