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R. Almeida: Dor Central – Etiopatologia e Terapêutica
− Alodinia (presente em pelo menos metade pendentemente da etiologia, o seu sucesso
dos casos de DC de causa vascular; em depende da precocidade com que é iniciada.
doentes com lesões talâmicas, a sua pre- Seguidamente serão descritas as diferentes
sença parece depender da localização das hipóteses de intervenção terapêutica, farmaco-
mesmas, sendo mais frequente nas regiões lógica e não farmacológica, actualmente dispo-
posteriores que nas anteriores 4,14,15 . níveis.
A depressão, fadiga crónica, cefaleias de ten-
são, ansiedade e insónia são comorbilidades Terapêutica farmacológica
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muito frequentes e igualmente incapacitantes .
ANTIEPILÉPTICOS (AE)
Dor central por lesão medular Uma notória semelhança entre os mecanismos
Mais de 60% da DC medular é de origem fisiopatológicos responsáveis pela dor neuropá-
traumática (acidentes de viação ou de traba- tica e pela epileptogénese justificam a utilização
lho), sendo a população alvo consideravel- de antiepilépticos neste tipo de doentes, muito
mente jovem. Atendendo aos índices de sinis- em especial nos casos de dor tipo lancinante ou
tralidade nacionais, também esta patologia queimadura. Entre eles destacam-se a lamotrigi-
deverá ser frequente na prática clínica diária. na, a gabapentina e a pregabalina. A carbama-
As lesões medulares de tipo iatrogénico (p. ex. zepina e o topiramato não se têm mostrado efi-
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pós-cirúrgicas), inflamatórias/infecciosas (mie- cazes na DC .
lites ou mielorradiculites, doenças desmielini- A lamotrigina foi o primeiro AE da nova gera-
zantes), neoplásicas, vasculares (isquémicas ção a ser usado na DC de causa vascular. São
ou hemorrágicas) ou congénitas (associadas necessárias doses elevadas (400 mg/d, em mé-
a cavidades siringomiélicas), perfazem as res- dia) para que o efeito analgésico seja significa-
tantes etiologias 4,17,18 . tivo, com todos os riscos potenciais associados.
Após a lesão medular ter ocorrido, cerca de O mecanismo de acção é múltiplo: bloqueio dos
60-70% dos doentes inicia um quadro álgico que canais de sódio da membrana pré-sináptica e
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pode ser extremamente grave em um terço dos inibição da libertação do glutamato .
casos. Muitas vezes a dor está ausente na fase A gabapentina e o seu derivado mais recente,
clínica inicial, que será sobretudo marcada pelos a pregabalina, vieram alargar o leque de fárma-
défices sensitivomotores e esfincterianos, poden- cos AE disponíveis para o tratamento deste tipo
do apenas tornar-se evidente quando o doente de dor. São, no entanto, referidas como mais
dá início ao processo de reabilitação física, após eficazes na dor neuropática associada às poli-
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o que persiste durante vários meses . neuropatias, como a diabética .
A dor é de tipo neuropático, partilhando as
características básicas da DC de origem vascu- ANTIARRÍTMICOS
lar. É possível que também surjam queixas suges- A lidocaína endovenosa (EV) é um antiarrítmico
tivas de compromisso álgico de tipo nociceptivo, reconhecidamente eficaz no tratamento de todos
provenientes da concomitante instabilidade me- os tipos de DC. Tem uma actuação rápida e sig-
cânica dos diferentes segmentos da coluna ver- nificativa, com marcada redução da intensidade
tebral, da compressão de raízes e/ou de nervos da dor, da alodinia e da hiperalgesia concomitan-
periféricos, de lesão da cauda equina, de lesão tes 4,23 . A sua administração por via ev. limita as
abdominal visceral e/ou genital, ou até mesmo potenciais aplicações práticas, na medida em
por envolvimento do sistema nervoso autónomo que requer condições especiais de monitoriza-
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(simpático e parassimpático) . ção cardíaca e vigilância contínua do doente,
Após a lesão medular ter ocorrido, podem sur- em critério de internamento.
gir três tipos distintos de DC:
– Dor difusa abaixo do nível lesional, suges-
tiva de envolvimento preferencial dos cor- OPIÓIDES
dões posteriores da medula. Alguns ensaios clínicos duplamente cegos,
– Dor de distribuição segmentar (em banda placebo-controlados, apontam para uma even-
suspensa), comprometendo alguns dermá- tual eficácia da morfina por via ev. nalgumas das
tomos adjacentes. manifestações da dor neuropática, podendo
– Dor associada a uma lesão tardia de tipo o local de actuação corresponder às fibras de
siringomiélico (lesão cavitária central, in- tipo C 4,24 .
tramedular, expansiva e de agravamento
progressivo) 4,17 . ANTIDEPRESSIVOS
A amitriptilina (antidepressivo tricíclico) é um
Abordagem terapêutica da dor central dos fármacos mais usado no controlo da DC
A abordagem terapêutica da DC, ainda que pós-AVC. Os seus reconhecidos e múltiplos efei-
estimulante, é quase sempre difícil para o médi- tos secundários, de entre os quais se destacam DOR
co e, sobretudo, insatisfatória para o doente, os anticolinérgicos (obstipação, alterações ritmo
dada a sua reduzida e temporária eficácia. Inde- cardíaco, hipotensão...), restringem o seu uso 23
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