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Dor (2006) 14
Diversos estudos prospectivos realizados em coto pode revelar causas responsáveis pela dor,
doentes submetidos a amputação, principalmen- tais como a existência de infecção, de um espo-
te por doença vascular periférica, demonstraram rão ósseo, neuromas e aderências. Existem tam-
que o início da dor fantasma ocorre durante a bém áreas com alterações da sensibilidade (hi-
primeira semana após a amputação (Jensen, et peralgesia, alodinia). Alguns doentes podem
al., 1983; Nikolajsen, et al., 1997). A dor fantas- apresentar movimentos espontâneos do coto.
ma tem tendência a diminuir de frequência, in- A dor no coto e a dor fantasma estão intima-
tensidade e duração ao longo do tempo. Num mente ligadas. Num estudo com 648 amputa-
estudo elaborado por Jensen e Nikolajsen, et al. dos, Sherman e Sherman (1983) verificaram que
foram avaliados 58 amputados, e verificou-se a dor no coto estava presente em 61% dos am-
que a incidência de dor fantasma era de 72, 65 e putados com dor fantasma, e apenas em 39%
59% após 1 semana, 6 meses e 2 anos, respec- dos amputados sem dor fantasma. Estes resul-
tivamente. Num estudo efectuado por Nikolajsen tados são semelhantes aos obtidos em dois es-
(1997), nos 56 doentes amputados por doença tudos retrospectivos mais recentes (Nikolajsen,
vascular periférica, a incidência da dor fantasma et al., 1997; Kooijman, et al., 2000).
permanecia constante durante o período de um
ano, mas a frequência e duração dos episódios Mecanismos da dor fantasma
álgicos diminuía significativamente. Houghton A amputação é a forma mais radical de lesão
(1994) questionou 176 amputados sobre a in- nervosa. Quando ocorre a secção de um nervo
tensidade da dor aos 6 meses, 1, 2 e 5 anos surgem uma série de alterações morfológicas,
após amputação. A intensidade média de dor fisiológicas e bioquímicas no sistema nervoso.
fantasma na escala numérica diminuíam de 4, Após a secção, o segmento distal das fibras
imediatamente após amputação, para 1, 5 anos nervosas degenera, enquanto a parte proximal
depois. que se mantém em contacto com o corpo celu-
A dor fantasma é habitualmente súbita, inten- lar prolifera distalmente formando uma massa de
sa, intermitente, verificando-se episódios diários fibras nervosas, designada por neuroma. A for-
ou com intervalos de dias ou semanas. Os epi- mação de neuromas e a proliferação de termi-
sódios têm uma duração limitada de segundos, nações nervosas livres no tecido de cicatrização
minutos ou horas, e raramente duram um dia. no coto são apontados como responsáveis pelo
Localiza-se nas extremidades distais do membro aparecimento de dor fantasma.
fantasma (mãos e pés). Várias observações sugerem que o membro
As sensações fantasma são sentidas por qua- fantasma tem a sua origem em mecanismos pe-
se 100% dos amputados (Jensen, et al., 1984; riféricos:
Montoya, et al., 1997; Kooijman, et al., 2000). – Os neuromas adquirem actividade espontâ-
Surgem nos primeiros dias após a amputação nea ectópica.
(Jensen, et al., 1984) e raramente representam – A estimulação mecânica dos neuromas gera
um problema clínico. Os doentes recuperam da potenciais de acção nas fibras C aferentes,
anestesia com a sensação de que ainda pos- e esse aumento da actividade está relacio-
suem o membro amputado, com a mesma for- nado com o aumento da dor fantasma (Nys-
ma, tamanho e volume. tröm e Hagbarth, 1981).
As sensações fantasma vão sofrendo altera- – O bloqueio dos neuromas com anestésicos
ções com o tempo, e a mais comum é a dimi- locais reduz a actividade espontânea ectó-
nuição do membro fantasma. Essa diminuição pica.
pode ser apenas um encolhimento, ou uma for- – A aplicação de anestésicos locais no coto
ma mais complexa como a telescopia (retracção faz desaparecer temporariamente as sensa-
progressiva do membro fantasma para o coto, ções fantasma (Birbaumer, et al., 1997).
acabando por exemplo por desaparecer o ante- – A remoção cirúrgica dos neuromas reduz
braço, o braço, ficando a sensação da mão ou transitoriamente a dor fantasma.
dos dedos a emergir directamente do coto). A actividade periférica anormal pode induzir e
Num estudo prospectivo que envolvia 58 do- manter uma hiperexcitabilidade dolorosa e não-
entes, a incidência de sensações fantasma era dolorosa nos neurónios dos gânglios raquidia-
de 84, 90 e 71% ao 8. dia, 6. mês e 2 anos nos e medula espinhal (Woolf, et al., 2000), su-
o
o
após amputação, respectivamente. Verificou-se ficiente para gerar a dor fantasma.
que incidência não diminuía durante o período Todos estes argumentos não conseguem ex-
de follow-up, ao contrário da duração e intensi- plicar como é que doentes com lesões espi-
dade que diminuíam significativamente (Jensen, nhais têm sensações fantasma embora difusas,
et al., 1984). e como nas situações de aplasia congénita os
A dor no coto é frequente no período imediato membros ausentes podem gerar sensações fan-
pós-amputação, resolvendo-se com a cicatriza- tasma.
ção do local da incisão. Todavia esta dor pode Considerando os neuromas ou a hiperactivi-
DOR persistir para além do tempo necessário para a dade espinhal na base das sensações fantas-
cicatrização em 5-10% dos doentes (Jensen, et al.,
ma, é difícil de entender como é que elas podem
26 1985), ou mesmo agravar-se. A observação do surgir e desaparecer subitamente, criar uma ilu-
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