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Dor (2006) 14
te denominada de DC de causa vascular. De sistente nos mecanismos neuromoduladores
facto, cerca de 8% dos doentes vítimas de aci- corticais da percepção termo-álgica ou da alo-
dente vascular cerebral (AVC) apresentam um dinia. Estes dados foram obtidos com base na
quadro álgico deste tipo, também conhecido por detecção de distintos padrões de actividade
dor talâmica ou síndrome de Dejerine-Roussy . cerebral durante a realização de ressonâncias
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Em Portugal o AVC lidera as taxas de mortalida- magnéticas cranioencefálicas funcionais, que
de, pelo que a incidência desta patologia deve- permitiram inclusivamente a diferenciação dos
rá ser significativa nas consultas de doenças subtipos de alodinia apresentados por estes
cerebrovasculares ou de dor. doentes .
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O início do quadro clínico pode ocorrer em
qualquer altura após o AVC (dias a anos). No Etiopatologia
entanto, em 40-60% dos doentes surge habitu- Uma lesão vascular cerebral, isquémica ou
almente 1-2 meses após o mesmo, sendo loca- hemorrágica (mais rara) estará na base do qua-
lizada à zona do défice neurológico . dro clínico e das anomalias neurofisiológicas
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As lesões cerebrais tumorais, infecciosas, in- descritas, sobretudo se localizada a nível do
flamatórias ou desmielinizantes perfazem os res- núcleo talâmico ventrocaudal . No entanto, à
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4,8
tantes 10% dos casos não vasculares . data presente, especula-se relativamente à pos-
sibilidade de existirem outras influências que
Fisiopatologia não apenas as talâmicas, na génese da DC,
Embora ainda não se conheçam com exacti- como sejam o cortéx pré-frontal e parietal, o
dão os mecanismos fisiopatológicos subjacen- que poderia justificar a variabilidade interindi-
tes à DC, desde cedo surgiram como hipotéticos vidual e a heterogeneidade dos diferentes qua-
12,14
dois conceitos abrangentes: o de desinibição dros clínicos .
e/ou de sensitização de origem central. Em con-
sequência de um ou de ambos os mecanismos, Semiologia
e à semelhança do que acontece noutros tipos Na DC de causa vascular, a localização da
de dor neuropática, por lesão associada das dor, que muitas vezes se faz acompanhar de
vias espinotalamocorticais, muito em particular alterações da sensibilidade térmica e de com-
do tálamo (daí advindo a designação de dor promisso motor, tende a respeitar o défice
talâmica), parece existir um compromisso simul- neurológico – p. ex. no hemicorpo contralate-
tâneo da transmissão e da percepção dos estí- ral à lesão, com ou sem hemiface associada.
mulos álgicos. Estão descritas despolarizações Nalguns doentes, a distribuição anatómica po-
neuronais sem estímulo (espontâneas), por estí- derá ser imprecisa ou vaga, chegando inclu-
mulos subliminares ou estímulos não nocicepti- sivamente a mudar de localização ao longo do
vos, por exemplo, tácteis 9-12 . As alterações a tempo 4,14 .
nível neurofisiológico daí resultantes podem ser A dor é, por via de regra, de difícil caracteri-
responsáveis pela dor (muitas vezes espontânea zação, tipo moinha (constante), de intensidade
e de características bizarras), pela hiperalgesia moderada a grave, invariavelmente incomodati-
(aumento da sensibilidade na percepção de es- va ou bizarra. É frequentemente agravada e/ou
tímulos dolorosos) ou pela alodinia (percepção desencadeada pelo tacto, pelos movimentos de-
de dor na sequência dum estímulo não doloroso) licados ou grosseiros, pelas variações de tem-
que estes doentes invariavelmente apresentam, peratura (sobretudo pelo frio), pelas emoções e
com maior ou menor intensidade e incapacida- pelas variações de humor.
de subsequentes . O doente pode, concomitantemente, apre-
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Uma das anomalias mais significativas nestes sentar:
doentes parece resultar duma hiperexcitabilida- − Dores paroxísticas lancinantes, recorrentes,
de eléctrica dos neurónios da via termo-álgica, de curta duração.
fenómeno denominado de sensitização central, − Dificuldades na marcha (por dor semelhan-
associada quase sempre a um funcionamento te à de etiologia vascular isquémica, a nível
deficiente dos canais de sódio das membranas das extremidades distais dos membros in-
neuronais . Este último factor tem vindo a des- feriores).
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pertar um interesse crescente a nível da investi- − Dor visceral e/ou genital (desconforto abdo-
gação clínica, como provável e eficaz alvo de minal, sensação de repleção vesical ou de
intervenção terapêutica farmacológica num futu- urgência e ardor miccionais).
ro próximo . − Mialgias intensas e incapacitantes, com as-
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Dados mais recentes levantam ainda a hipó- sociada impotência funcional.
tese do cortéx pré-frontal ter um papel impor- − Disestesias (percepções sensitivas anóma-
tante na fisiopatologia deste tipo de dor neuro- las e desagradáveis, sendo a sensação de
pática. Estudos efectuados em doentes com queimadura, de limites mal definidos, a mais
DOR DC por siringomielia (lesão cavitária intramedu- − Hiperpatia/hiperestesia (dor evocada, exage-
frequente e perturbadora).
lar com associado compromisso do feixe espi-
22 notalâmico) apontam para uma alteração per- rada face ao estímulo álgico precipitante).
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