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T. Rodrigues, et al.: Dor Vascular periférica – A Propósito de um Caso
momento tinha dor. Por outro lado, durante o dia, e com a administração do ceftriaxone 1 g sc.,
se tinha companhia pouco se queixava, referin- obteve-se melhoria significativa em termos de
do que era mais à noite que havia agravamento odor e exsudado assim como da dor.
da sua dor, coincidindo com o momento em que A 13/02/2006, refere tremores, astenia e can-
estava sozinho. No entanto, conseguia dormir saço fácil a pequenos esforços. Após reorienta-
bem e ter um sono seguido, o que não acontecia ção terapêutica, a espironolactona 25 mg é au-
antes da instituição dos opióides e da terapêu- mentada para 1 cp 2/d e inicia digoxina 0,125 mg
tica com gabapentina. Constatou-se, também, 1/d (excepto sábados e domingos). Por manter
que a introdução da morfina induziu a uma di- infecção da úlcera do membro habitual, iniciou
minuição do exsudado nos membros inferiores, moxifloxacina 400 mg sem efeito, pelo que volta
muito provavelmente associada a melhoria da a ser introduzido a amoxicilina/ác. clavulânico
função cardíaca, o que em muito facilitou a ci- 875/125 mg (1 cp de 12/12 h) durante 15 dias.
catrização das feridas. Apesar da nossa tentati- Foram reforçados os ensinos sobre a ingestão
va de redução da dose do opióide, o doente hídrica e sobre a necessidade do repouso com
mantinha referência a dor grave se a morfina elevação dos membros inferiores.
fosse reduzida abaixo dos 20 mg 2/d. A 21/02/2006, é observado pelo médico de
Concluímos que estávamos em presença de Cirurgia Vascular do Hospital Pulido Valente,
um significativo componente de «dor de alma», consoante o protocolo iniciado este mês com o
devido à solidão. Foi sempre autónomo e o pro- centro de saúde. Foi proposto ao doente inter-
blema das pernas mantinha-o prisioneiro na sua namento hospitalar, para ser submetido a uma
própria casa! Foi reconhecida a mágoa do do- técnica de vácuo, o que doente recusou, ficando
ente e valorizada a complexidade da sua situa- muito ansioso com esta proposta. O cirurgião
ção, valorizado tudo o que tem sido capaz de vascular compreendeu o contexto psicossocial
fazer por si próprio apesar da solidão. Foi evi- da situação e entendeu não existirem benefícios
denciada a melhoria do quadro clínico desde o em forçar o internamento. Foi prescrito deflaza-
início e a disponibilidade para o ajudar, na me- cort 6 mg 1/d durante um mês, mantendo o
dida das limitações da equipa, embora não es- mesmo tratamento de feridas. Ficou com consul-
tando 24 h com o doente. ta marcada para a próximo mês.
Uma vez que mantinha a infecção, e por ter Tem feito mensalmente ionograma de controlo,
feito, já, 14 tomas de ceftriaxona 1 g sc. entre sem alterações relevantes.
Agosto e Setembro, fez ainda mais 4 tomas ini- Apesar de a úlcera do membro inferior direito
ciadas a 05/10/2005, e reiniciou a amoxicilina/ác. estar praticamente cicatrizada, e de o doente
clavulânico 875/125 mg – 1 cp 12/12 h. não referir dor neste membro, o que representa
A 25/11/2005, fez-se nova reavaliação tera- franca melhoria face ao quadro inicial, ainda nos
pêutica: manteve a mesma, mas reduziu a espi- falta um longo caminho a percorrer no sentido
ronolactona para 1/2 cp 2/d. Suspendeu a ser- do controlo eficaz dos sintomas e, se possível,
tralina (uma vez que não se observaram conseguirmos que a úlcera do membro inferior
alterações no seu humor) e iniciou diazepam 5 mg esquerdo também cicatrize.
1 cp 2/d. Houve necessidade de reiniciar a cef- Para isso, é necessário avaliarmos e reavaliar-
triaxona 1 g/d sc. (durante 14 dias), por ter feito, mos, não só a ferida, mas todo o contexto do
no início de Novembro, a claritromicina 500 mg doente, e intervir também no sofrimento existen-
(1 cp 2/d), sem efeito. Refere dor quando se cial. Trabalhando em equipa e de forma interdis-
muda o penso e à noite, apenas, antes de dor- ciplinar, é possível darmos respostas eficazes e
mir. Manteve-se aplicação de ligaduras de com- dirigidas às necessidades de quem estamos a
pressão. ajudar. O nosso compromisso é para com a pes-
Apenas a 05/01/2006, tivemos o resultado de soa doente, no sentido de lhe proporcionar bem-
um novo eco-Doppler aos membros inferiores, estar e qualidade de vida, e reafirmar o compro-
que revelou insuficiência da veia safena externa misso de não-abandono. Desta forma, e como
direita e insuficiência de ambas as veias safenas este caso demonstra, é insuficiente uma aborda-
internas. No decorrer da intervenção da equipa gem da dor meramente farmacológica...
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