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A.L. Nobre, et al.: Dor no Doente Queimado
a dor envolvida no processo de reabilitação da estudos demonstram que os doentes queima-
queimadura 2,10 . dos preferem escalas que se baseiam em cores
ou faces .
1,4
Prática clínica Tratamento analgésico nas várias fases
Como referido anteriormente, o tratamento da De um modo geral, o tratamento da dor é mul-
dor no doente queimado é complexo, pois re- timodal, utilizando-se fármacos opióides e não
quer a resolução de múltiplos tipos de dor du- opióides, tais como o paracetamol, os AINE e a
rante toda a recuperação do doente, devendo cetamina, de modo a que a dose de cada
ser individualizado, tendo em conta os múltiplos fármaco individualmente seja menor e, como tal,
fatores que a influenciam. Dentro dos fatores ocorram menos efeitos secundários de um fár-
que influenciam a perceção da dor, salientam- maco específico .
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-se: fatores predisponentes (genética, psicose,
abuso de substâncias, tipo de personalidade);
fatores do contexto (expetativas, cultura, expe- Fase inicial – de reanimação
riências passadas, ambiente); fatores farmaco- Durante a fase inicial, a dor basal diminui bas-
lógicos (timing da analgesia, efeitos secundá- tante com a oclusão da queimadura com pensos,
rios, eficácia da analgesia); fatores relacionados impedindo assim a exposição das terminações
com a queimadura (área e localização da quei- nervosas a estímulos que aumentam a sensação
madura, tipo de penso, tensão do penso, infe- de dor . Nesta fase, a principal via de adminis-
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ção, movimento, zonas dadoras); fatores relacio- tração de fármacos deve ser a via endovenosa,
nados com o humor (depressão, ansiedade, pois podem existir problemas com a absorção
«catastrofização») e com a cognição (atenção, entérica. O tratamento da dor basal baseia-se
distração, autoestima) 2-4,7 . na administração de analgésicos, particularmen-
Para otimizar o tratamento da dor no doente te de opióides de longa duração, em intervalos
queimado, há alguns conceitos relacionados regulares, evitando a sua administração a «pe-
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com este tipo de doentes que é importante re- dido» . Dentro do grupo dos opióides, a morfi-
lembrar, nomeadamente as fases da sua recu- na é o gold standart . Nesta fase deve ser
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peração e as alterações farmacocinéticas a que administrada por via endovenosa, em forma de
está sujeito. bólus, perfusão ou Patient Controlled Analgesia
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As fases de recuperação do doente queimado (PCA) . A morfina tem metabolização hepática,
dividem-se em: fase aguda (fase inicial, de es- dando origem ao metabolito ativo morfina-6-glu-
tabilização e preservação de função, que cor- coronido, que se pode acumular em caso de
responde geralmente aos primeiros três dias); insuficiência renal, pelo que nestes casos se
fase de cicatrização (que envolve a remoção do deve reduzir a dose administrada . Outro opiói-
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tecido desvitalizado e posterior reepitelização e de, muito utilizado no tratamento da dor basal,
cicatrização) e fase de reabilitação (maturação é o fentanil, especialmente a sua forma transcu-
da cicatrização, prevenção de contraturas e oti- tânea, que tem eficácia semelhante a PCA de
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mização da capacidade funcional do doente) . morfina 2-4,8 . É esta a terapêutica mais utilizada
Cada uma destas fases está associada a parti- no Serviço de Queimados do Hospital de São
cularidades no tratamento da dor. José. Sempre que se medicam doentes com
Nas primeiras 48 h após a queimadura, existe opióides, há que ter particular atenção aos seus
uma diminuição da clearence de fármacos devi- possíveis efeitos secundários: náuseas e vómi-
do a uma diminuição da perfusão de órgãos; nas tos, obstipação, prurido, depressão respiratória,
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48 h seguintes ocorre um estado hipermetabóli- sedação . Quando estes surgem, torna-se ne-
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co, com aumento da clearence dos fármacos . cessário ajustar ou modificar a terapêutica.
Ocorrem ainda variações nos níveis séricos das Como referido anteriormente, a utilização de
proteínas plasmáticas, com consequente altera- opióides deve ser sempre acompanhada pela
ção na fração plasmática livre dos fármacos. Por administração de fármacos não opióides – para-
alteração no conteúdo de água corporal, verifi- cetamol, cetamina, AINE. O paracetamol tem um
ca-se alteração no volume de distribuição de efeito sinérgico com os opióides, devendo ser
fármacos . Uma regular avaliação da dor nestes utilizado regularmente em todos os doentes
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doentes é extremamente importante, de modo a queimados (exceto se contraindicado), em do-
perceber como estas alterações estão a influen- ses fixas, para tratamento da dor basal 2,3,4 . Os
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ciar o tratamento da dor . AINE são utilizados no doente queimado pelo
É essencial a avaliação da dor, de modo a que seu efeito analgésico e anti-inflamatório (dimi-
se possam averiguar as suas características, nuindo a ocorrência de hiperalgesia secundá-
intensidade e eficácia do tratamento . Esta ria), possuindo, tal como o paracetamol, um
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avaliação é efetuada através da utilização de efeito sinérgico com os opióides 2-4,6 . Não podem
escalas de dor, como a escala descritiva verbal, ser recomendados para todos os doentes quei-
a numérica e a visual analógica 1,3,4 . Na Unidade mados, visto que nestes já existe um risco au- DOR
de Queimados do Hospital de São José, a es- mentado de lesão renal e de úlcera péptica, que
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cala mais utilizada é a escala numérica. Alguns pode ser agravado com a utilização de AINE . 25